Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Domingo, 30.03.14

QUADRAS

 


 1.

— Porque é que és tão formosa?

Porque é que tens tanta vida?

— De manhã, como uma rosa.

À noite, uma margarida.

 

2.

Ao passares, paraste o vento,

Da noite abriste a fundura.

Só de sonhos foi um cento

Que  te caiu da cintura.

 

3.

Em forma de caracol,

Um fio caiu do céu.

Era um cabelo do Sol

Que o meu olhar aqueceu.

 

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 13:39

Sábado, 29.03.14

BALOIÇO

 

 

RECREIO

Na minha alma há um balouço
Que está sempre a balouçar -
Balouço à beira de um poço,
Bem difícil de montar...

- E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...

- Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada...

Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...

- Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...

 

Mário de Sá-Carneiro

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 20:21

Quinta-feira, 27.03.14

TEATRO

O teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há. Não têm procura os seus produtos enquanto o gosto não forma os hábitos e com eles a necessidade. Para principiar, pois, é mister criar um mercado factício. É o que fez Richelieu em Paris, e a corte de Espanha em Madrid; o que já tinham feito os certames e concursos públicos em Atenas, e o que em Lisboa tinham começado a fazer D. Manuel e D. João III.

     Depois de criado o gosto público, o gosto público sustenta o teatro: é o que sucedeu em França e em Espanha; é o que teria sucedido em Portugal, se o misticismo belicoso de el-rei D. Sebastião, que não tratava senão de brigar e rezar  e logo a dominação estrangeira que nos absorveu, não tivessem cortado à nascença a planta que ainda precisava muito abrigo e muito amparo.[...]

     O povo antes queria as óperas do Judeu. Tinha razão; mas queimaram-lho e o povo deixou queimar.

     Coitado do pobre povo! Com o dinheiro que ele suava para as óperas italianas, para castrados, para maestros e maestrinos, podia ter quatro teatros nacionais: e o Garção que lhe fizesse comédias que haviam de ser portuguesas deveras, porque o Garção era português às direitas.

    Tinham-lhe queimado o António José porque diz que não comia toucinho; mataram--lhe o Garção numa enxovia por escrever uma carta em inglês.

    E o povo deixou matar. Por isso ficou sem teatro. Não seja tolo.

Almeida Garrett*, Um Auto de Gil Vicente (Introdução), 2ª ed., Lisboa,

Publ. Europa-América, s.d., 29-31.

*Escritor português: 4/2/1799, Porto —  9/12/1854, Lisboa.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 11:58

Terça-feira, 25.03.14

DEBATE TELEVISIVO

 

 

Fazia parte do painel. Decorria o debate. Ao ouvir o comentário aos dados estatísticos acabados de apresentar, levado pela sensação incerta de que, ali, talvez alguma coisa não batesse certo, num gesto impulsivo, pouco consciente, disse:

— Um dia a palavra pobreza ainda lhes estoura na boca!

O programa teve de ser interrompido, mas a coisa remediou-se. Não era dinheiro o que lhe faltava.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 21:01

Sábado, 22.03.14

LEITURAS ESQUECIDAS...

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

Tags:

por Maria Almira Soares às 12:09

Sexta-feira, 21.03.14

FILHAS DE ZEUS E DA MEMÓRIA

 

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 18:58

Sexta-feira, 21.03.14

COMEÇANDO...

Autoria e outros dados (tags, etc)

Tags:

por Maria Almira Soares às 18:43

Sexta-feira, 21.03.14

LEMBRANDO LEITURAS...

 

 

 

OUVE, POETA ROMÂNTICO:

 

Como queres que compreenda a tua dor de incompreendido

Se nunca deitei fogo aos problemas

Para fugir da terra

Num cavalo de asas de fumo?

Nem nunca pairei sobre os homens

De ouvidos tapados

Para ouvir melhor dentro de mim

As lágrimas das sereias

A insinuarem-me ilhas pessoais

Nos berços aéreos das manhãs de sal?

Como queres que entenda o teu desamparo de herói caído

Se nunca andei pelo céu

Com pés de estrelas…

Nem nunca desci à terra como tu

Para completar a paisagem com os olhos…

Ou dar aos escravos

— a pobre carne-de-viver dos escravos!

—A glória de comungar de joelhos

A aristocracia da minha dor

Do tamanho de uma cidade forrada de pele humana

Com ruas calcetadas de olhos tristes?

Não poeta romântico.

Cairia morto de vergonha

Se vagueasse pelo mundo

A enxugar lágrimas de pobres

Com lenços de nuvens.

E desceria à fundura Da raiz mais oculta dos frios

Se não fosse igual a todos

Menos a mim mesmo.

E cegar-me-ia com unhas

Até ao silêncio das imagens

Se passasse como tu os dias e as noites

A mirar-me ao espelho

Para ver o meu esqueleto genial

Dependurado com flores

Entre a terra e o céu

Num balouçar de deus

Que não se resigna às pedras nem às nuvens… 

Enquanto no inferno da vida

Os outros esqueletos

Atiram pazadas de carvão

Para as fornalhas das máquinas

Que fabricam o fumo

Onde os poetas desenham quimeras de desdém.

Não, poeta romântico.

Eu nasci para cumprir outro destino mais novo.

Ser homem apenas sem sangue excepcional

A arder no desejo absurdo

De andar pelas ruas

Vestido de vidro

Para que todos possam ver na minha alma

A dor comum finalmente revelada!

E os sonhos de todos com terra!

E a fome sem estrelas!

E a cólera sem travões!

E a morte sem anjos!

E a revolta sem bandeiras!

E o sol com sol!

Não poeta romântico.

Como queres que compreenda a tua dor de incompreendido

Se só entendo os homens

Quando choram lágrima de terra?

(E nem me entendo a mim?)

 

José Gomes Ferreira

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 13:50

Sexta-feira, 21.03.14

LEMBRANDO LEITURAS...

 

PORTUGAL
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!


Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

Autoria e outros dados (tags, etc)

Tags:

por Maria Almira Soares às 13:00

Quinta-feira, 20.03.14

HOJE, NA MIMOSA DA LAPA, A LERDOCELER CONVIVEU EM TORNO DA LEITURA DO «ESPLENDOR DE PORTUGAL»

 

 

Todo o escritor que constrói uma obra cria uma marca. De um romance de António Lobo Antunes, d’O Esplendor de Portugal por exemplo, pode dizer-se é «um lobo antunes». Quase como se diz de um vinho.

Prova-se, saboreia-se: e lá está o acidulado das metáforas enlouquecidas; o travo de lugares e objetos que tomam conta dos humanos; a estrutura balanceada desde a raiz ampla de uma fazenda em África até desfazer-se nas terras estreitas, cubiculares, de um bairro lisboeta; a força e a vastidão quase selvagem de um aroma estrangulado em respiração apodrecida...  Não há dúvida! É um «lobo antunes». Um puro.

 

Em O Esplendor de Portugal, a técnica de deformação do real, de enlouquecimento do real, é a mesma de sempre: o andar em círculos até à tontura que se desprende da solidez dos mundos habitados; o tempo feito contratempo, num encolhimento esmagador da duração; o adoecer de tudo e de todos, exceto, talvez, da infância de uma mulher que ainda era Isilda e não «patroa», na boca de outra mulher que era e sempre foi Maria da Boa Morte.

 

Círculos e espirais imparavelmente dançados sobre um estrado de solidão compassiva, de humanidade fina decantada do sarro grosso, areoso, com que se fazem construções mutantes, afinal sempre a mesma, essa construção: frágil, trágica, mortal, iludida, derrotada, humana...

E a fechar o leque de notas inconfundíveis, uma forte neurose maníaco-associativa a puxar tudo para dentro de tudo, brinquedo de feira de horrores, girando e girando e girando... até à eternização dos gestos, à repetição imobilizadora.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

Tags:

por Maria Almira Soares às 21:33

Pág. 1/4



Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Março 2014

D S T Q Q S S
1
2345678
9101112131415
16171819202122
23242526272829
3031