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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
A noite passada,
à hora em que a Ursa
mais perto discursa
da mão do Boieiro;
e o sono profundo
no grémio fagueiro
por todo esse mundo
restaura os mortais,
em meio era a noite;
o exemplo dos mais
no leito eu seguia;
sereno dormia...
À porta imprevisto
Cupido me bate!
À pressa me visto;
redobra o rebate;
acudo a correr.
«Sou eu» — diz de fora —
«não tens que temer;
«sou um pequenino
«que vaga a tal hora,
«molhado e sem tino,
«perdido no escuro,
«pois lua não há!»
Ouvi-lo gemendo
de mágoa me corta;
a lâmpada acendo,
franqueio-lhe a porta…
em casa me está!
Descubro (em verdade
mentido não tinha)
gentil criancinha
com arco e carcás.
Remexo nas brasas
da minha lareira;
restauro a fogueira;
as mãos, que são gelo,
lhe aqueço nas minhas,
lhe espremo o cabelo,
lhe enxugo as asinhas;
já frio não faz.
«Vejamos se a chuva»
(dizia e sorria)
«a corda do arco
«me não danaria!»
Levanta-a do chão;
recurva-o, dispara
no meu coração.
A frecha que o vara
parece um tavão.
Eu, dores danadas,
e o doudo às risadas,
de gosto a pular!
«Meu caro hospedeiro»,
(me diz prazenteiro)
«agora é folgar.
«Permite me ausente;
«meu arco está são...
«Quem fica doente
«é teu coração!»
Ode anacreôntica (tradução de A. F. Castilho)
Quando Amor nasceu,
Nasceu ao Mundo vida,
Claros raios ao Sol, luz às estrelas.
O Céu resplandeceu,
E de sua luz vencida
A escuridão mostrou as coisas belas.
Aquela, que subida
Está na terceira esfera,
Do bravo mar nascida,
Amor ao Mundo dá, doce amor gera.
Por amor se orna a terra
D’águas e de verdura,
Às árvores dá folhas, cor às flores.
Em doce paz a guerra,
A dureza em brandura,
E mil ódios converte em mil amores.
Quantas vidas a dura
Morte desfaz, renova:
A fermosa pintura
Do Mundo, Amor a tem inteira, e nova.
Ninguém tema seus fogos,
E chamas furiosas.
Amor é tudo, amor suave, e brando,
Sujeito a brandos rogos,
As águas amorosas
Dos olhos com brandura está alimpando.
Douradas, e fermosas
Setas n’aljava soam
À vista perigosas;
Mas amor levam, dos amores voam.
Amor em doces cantos,
Em doces liras soe,
Torne seu brando nome este ar sereno.
Fujam mágoas, e prantos,
O ledo prazer voe,
E claro o rio faça, o vale ameno.
No terceiro Céu toe
D’amor a doce lira,
E de lá te coroe,
Castro, de ouro o grã Deus, que amor inspira.
António Ferreira, Castro, Lisboa, Ed. Ulisseia, s. d., págs 178 -179.
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