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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
SELECTA LITERÁRIA
... depois de tantos transes,
Mais sérios, mais ligeiros,
Até os verdadeiros romances
Eram romances verdadeiros!
Feitos de Serras e Cidade,
De Morgadinhas e Ilustres Casas,
Mágicos, davam asas
À felicidade
De os ler inteiros.
Ou, mesmo recortados,
Com princípios e fins emoldurados
Por títulos e ilustrações,
Espertos regatinhos,
Brincando folgazões,
Corriam nas aldeias sossegadas.
E, entre Enganim e Cesareia,
O Sol, o celestial girassol,
Logo pela manhã, ao arrebol,
Perseguia Donas Brancas raptadas
Ou acordava henriquinhos
De tia Doroteia.
E eu lá ia indo, indo
Num devaneio cada vez mais lindo
Em que o luar, p’la estrada plana,
Se evaporava numa lida insana:
E, afinal, a água era só brilho
Jorrando de fontes de cristal,
Enquanto, sobre o verde do tomilho,
Só a lua começava a ser real.
O leitor que não conhecesse por dentro e por fora, como se usa dizer, a vida da Idade Média, riria da pequice com que atribuímos valor político ao bobo do conde de Portugal. Pois o caso não é de rir. Naquela época o cargo de truão correspondia até certo ponto ao dos censores da república romana. Muitas paixões, sobre as quais a civilização estampou o ferrete de ignóbeis, ainda não eram hipócritas; porque a hipocrisia foi o magnífico resultado que a civilização tirou de sua sentença. Os ódios e as vinganças eram lealmente ferozes, a dissolução sincera, a tirania sem mistério. No século XVI, Filipe II envenenava seu filho nas trevas de um calabouço, no princípio do XIII, Sancho I de Portugal, arrancando os olhos aos clérigos de Coimbra que recusavam celebrar os ofícios divinos nas igrejas interditas, chamava para testemunhas daquele feito todos os parentes das vítimas. Filipe era um parricida polidamente covarde; Sancho um selvagem atrozmente vingativo. Entre os dois príncipes há quatro séculos nas distâncias do tempo e o infinito nas distâncias morais.
Alexandre Herculano
Ler tem uma função humanamente estruturante. De histórias todos gostam e historiar é próprio do homem. O humano não é industrial é artesanal. Nós somos, por assim dizer, feitos à mão, fazemo-nos à mão. O tempo da leitura até pode ser um tempo em que nos mudamos para um horizonte secreto, cujo acesso é bastante errático e enigmático. A atenção crescente que actualmente é dada à leitura não pode correr o risco de ganhar a visibilidade de uma quase industrialização publicitária das palavras ler e leitura. Desfigurar a leitura para a tornar atractiva é perder tempo.
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