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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)


Sábado, 18.01.14

DANÚBIO DE CLAUDIO MAGRIS

 

Um livro para ler como quem desce um rio: navegar na corrente verbal, sentir as mudanças do seu fluxo, olhar a variedade das suas margens, estremecer com o abalo das suas várias profundidades, rolar na força do seu caudal: surpreendida, reconhecida, comovida. Reportagem, história, memória, atualidade, arquitetura, urbanismo, ciência, filosofia, literatura, ironia, poesia, geografia, humor, crónica, política, petite histoire, anedota, quotidiano, mito, transcendência, vida, trágico, morte, pensamento, pensamento novo, original: tudo numa corrente associativa cujo eixo é um rio. As águas moventes do rio sacodem fronteiras e conotam esta maravilhosa mistura. Entre nascente e foz, que sentido o da corrente, que sentido o da leitura? O paradoxo de, ao viajarmos para o fim, nos aproximarmos do princípio. O jogo de cada paragem ser uma viagem: parados no espaço, avançamos por diferentes sedimentos da História, numa nova versão do movimento ilusório das margens. Cada ponto da perene corrente do rio é a nascente de vários tempos, trilhos de outras perenes correntes: mentais, memoriais, históricas.

Leitura-viagem em que cada viajante terá o seu ritmo, o seu andamento, fará as suas pausas…

Eu paro aqui: «Talvez toda a viagem se oriente para a origem, em busca do seu próprio rosto e do fiat que o trouxe do nada.» E, habitante de vários rios, deixo-me ficar a olhar, a pensar…

 

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por Maria Almira Soares às 21:29

Quarta-feira, 08.01.14

TRÊS LETRAS DOS ALFABETOS-MAGRIS

 

«... nas geniais Memórias de um Antissemita [...] faz entender, a par de outros raros textos, como aquele horror possa ter acontecido sem encontrar verdadeira resistência em tantas pessoas de retos sentimentos.»

Claudio Magris in Alfabetos

 

 

«O universo de Jančar, afirma-se em Aurora Boreal, é “aquele vibrante silêncio suspenso sobre a Mitteleuropa que ecoava nos muros das ruas de Praga e, flutuando baixo, se insinuava indetetável a consumir a costa de Duino”; um mundo esfacelado, numa sórdida e profunda desintegração que, como uma proliferação tumoral, é uma irresistível vitalidade portadora de morte.»

Claudio Magris in Alfabetos

 

 

«Necrópole é uma obra magistral (se é lícito usar juízos estéticos para um testemunho do mal absoluto) também pela sua límpida sabedoria estrutural, pelo entrecruzar de tempos — verbais e existenciais — que tecem a narrativa.»

Claudio Magris in Alfabetos

 

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por Maria Almira Soares às 21:46

Domingo, 05.01.14

OS ALFABETOS DE MAGRIS

 

1507-1.jpg

 

 

Foi quando o miúdo me chamou da porta.
— Que é que queres?
 Tinha um pau na mão. 
— Anda cá. 
—Que é que queres? 
Tinha um pau na mão, irritava-se de impaciência, eu fui. 
Desceu à minha frente os degraus da escada,
apoiado aos varões do corrimão. No jardim em baixo
havia terra mole.
— Que é que me queres? Então dobrou-se para o chão,
apontou o pau à terra. E disse:
— Anda cá que te quero ensinar a fazer o A. 
Com um pau na mão. Apontado à terra. 
Se eu aprendesse?
     Vergílio Ferreira, Nítido Nulo
 

 

           Ensinar a ler é uma coisa fabulosa. Ensinar a ler é partilhar o alfabeto, os alfabetos: o alfa e o beta... o á e o ... o âlif e o bâ’... o alêf e o bêt... e o... e o... Ensinar a ler é partilhar os mundos que as coreografadas combinações de todas as letras dos alfabetos dançam para os nossos olhos, para a nossa inteligência, para as nossas emoções: histórias, poesia, pensamentos, falas, olhares, rostos inventados, vidas sonhadas. Ensinar a ler é partilhar o desdobramento infinito da corrente da escrita que se encastela, alastra, inunda, acrescenta paisagens à nossa viagem. Do derramar de um alfabeto inteiro, que em cada livro se dispersa e se desordena, nascem novos alfabetos, incontáveis alfabetos do mundo, à espera de serem encontrados no labirinto de cada leitura.

       No seu fantástico labirinto de leitor extraordinário, Claudio Magris é um genial criador de inúmeros alfabetos do mundo. Salgari, Borges, Homero, Kafka, Canetti, Kipling, Benjamin, Defoe, Schiller, Novalis, Goethe, Turgueniev, Schlegel, Brod, Musil, Brecht, Havel, Fontane, Mann, Lie, Ibsen, Conrad, Ovadia, Rezzori, Manea, Kapuściński, Sábato, Erasmo, Gogol, Hemingway, Faulkner, Yourcenar, Camus, Dickens, Tolstoi, Dostoievski, Gide, Platão... poderiam ser os nomes das letras dos alfabetos-Magris. Na verdade, são temas dos inesquecíveis ensaios que não me canso de ler nos Alfabetos de Claudio Magris.

 

          Ler é conquistar novos alfabetos. Ler é uma alfabetização imparável. Que coisa fabulosa é ensinar a ler, partilhar alfabetos! Neste livro, Claudio Magris partilha os seus. Alfabetiza-nos. Ler este livro foi para mim uma lição como aquela do espanto antigo de um s e um ó serem . Ou como a da viva alegria do António do Vagão J quando “aprendeu o feitio do A”.

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por Maria Almira Soares às 16:23


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