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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
OS DEFENSORES DA LÍNGUA
— Bem, vamos lá ver que novidades há hoje por aqui. Esta coisa do facebook é bem divertida! Vê-se cada uma... Deixa cá espreitar o mural da Nené! É sempre muito animado. Eu não disse? Um post com cinco minutos e já com tantos comentários... Deixa ver:
NÉNÉ “Estou farta de calinadas. Então os nossos brilhantes comunicadores televisivos... Deitam cada uma da boca para fora! É de estarrecer. Por isso, proponho-me criar aqui, no facebook, uma página de proteção da língua portuguesa (PPLP), onde todos os erros detetados poderão ser denunciados e corrigidos. Aceitam-se os contributos de todos os que amam a nossa língua e lutam em prol da sua pureza.” Gosto. Comentar. há 5 minutos. |
Pois claro! Está-se mesmo a ver. Quando o assunto é a língua portuguesa, vêm todos a correr. Sentem-se chamados para a guerra. Convocados para a defesa da pátria. Só que, depois... Vejamos os comentários:
Ai, quer defender a língua portuguesa?! É pra já. Olhe, sabe? Pela boca morre o peixe. Grande ditado do nosso povo! Com que então, minha senhora, “propõe-se criar”?! Não se terá esquecido de uma preposiçãozinha? Assim, não vai lá. “Proponho-me a criar” é que está certo. |
Olha-me este! Isto não começa bem, não senhor! Continuemos:
O comentador anterior veio a correr e tropeçou logo. Foi pior a emenda do que o soneto. A Nené escreve bem. “Proponho-me criar” está perfeito. |
Isto está a aquecer.
Então? Em que é que ficamos? É com o a ou sem o a? |
Eu acho que pode ser das duas maneiras. |
Quais duas maneiras, qual carapuça! Só há uma forma correta: “Proponho-me criar”. |
Deixem-se lá de picuinhas. Com a ou sem a, vai tudo dar ao mesmo. O que é preciso é que a gente se entenda. |
Pois claro! E a língua está sempre a evoluir, não é? |
A evoluir está esta conversa, mas é para o lado da asneira. |
Então, Nené, perdeu a língua? Não diz nada? |
Isto, agora, com o novo acordo, vale tudo! |
Já cá faltava o acordo! |
Realmente é lamentável: querer defender a língua e começar logo a dar erros... Está mal! |
Está mal?! Está, até, muito bem. “Proponho-me criar” está corretíssimo. |
Parem de dizer disparates. “Proponho-me a criar” é que está bem. |
Então, Nené, está tão caladinha?! |
Olá! Até que enfim alguém verdadeiramente sabedor... Vamos ver o que diz:
“Proponho-me criar uma página” está correto. “Proponho-me a “ não passa de um erro comum, tão generalizado que acaba por parecer correto. Mas não. Trata-se de uma construção semelhante a, por exemplo: “Impus-me andar três quilómetros, todos os dias.” A Nené não cometeu nenhum erro. |
Aposto que, deste, ninguém vai discordar. Tem credenciais na nossa praça. O seu saber linguístico é respeitado. Ah! A Nené finalmente acordou.
NENÉ Meus amigos, tenham calma. Tudo está bem quando acaba bem. E, para começo de defesa da nossa língua, esta discussão acabou muito bem. Vamos para a frente com a nossa PPLP. |
Retrospetiva das leituras da comunidade de leitores LerDoceLer:
Entre o céu azul e os subterrâneos da cidade, a realidade conspira abrindo um buraco. Um episódio insólito? Uma fábula com sentido? Protagonistas: o cego e a criança. DEIXEM - o imperativo que pede uma atitude passiva, um licenciamento, uma tolerância, um levantar de barreiras para - PASSAR - um movimento transitório, um acesso aos caminhos necessários a - O HOMEM - não um, mas o - INVISÍVEL.
DEIXEM PASSAR O HOMEM INVISÍVEL.
Como?! O quê? Mas… se não se vê?! Como deixá-lo passar, se se não vê?! Absurdo? Ah! Afinal era engano. Troca de palavras. Inversão de 180º. Não se trata de não ser visto; trata-se de não ver. Será? Será de anedotário do uso da linguagem que se trata? Ou há verdade no engano? Não vemos, ignoramos, aquele que não vê? Tornamos invisível o que não é como nós? Pode ser. A história do cego e da criança, tecida por uma necessidade de resposta a interrogações várias. Sobre a cidade. A cidade dos homens e das crianças e das mulheres. A cidade do asfalto e dos canos e das casas e das ruas. A cidade das ordens e contra-ordens, dos recursos, das burocracias, das repartições, dos poderes. A cidade das notícias, das imagens, dos depoimentos, dos directos, dos imprevistos, do insólito, do ridículo, dos encontros e desencontros… Resposta ao uso da linguagem que não é inócuo. Ao desleixo que toma o que não vê pelo que não é visto. Aos criadores de metáforas que, embalados pelos fluxos da sua inventividade, esquecem a dor real, a dor que deveras se sente e inventam cegueiras brancas como metáfora de denúncia e salvação dos homens. Esquecendo que ser cego é só não ver, sem metáforas nem alegorias. Um livro que quer dar muitas respostas e que, para as dar, abre buracos no cenário e torna o real invisível: a pequena nesga de luz no olho cego, o buraco no chão da cidade, o buraco da morte. A pior, a mais certa conspiração da realidade, é a morte: sempre insólita, sempre inesperada. Buracos e ramificações, muitas ramificações. Algumas oportunistas. Um livro criador de oportunidades de dizer, criador de coincidências para a significação. Um livro que quer significar. Um livro graficamente muito desenhado, cheio de sinais, de divisórias, de placas indicadoras. Tanta sinalização! Muito dividido em capítulos. Muito claramente titulados. Muito claramente separados. Muito referenciados em índice. Muito epigrafado. Dedicado. Vestido por um azulejo cegado pela incúria. Cheio de sinais! Um livro muito conduzido, como que para leitores com dificuldade de orientação. Graficamente muito visual. Um pouco trôpego, um pouco às apalpadelas, mas com recursos explícitos para orientação. Gestos de chamada de atenção: «António com o menino ao colo», António Vicente…
Para nos conduzir ao milagre, à magia, à realidade?
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