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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Sábado, 15.03.14

MEU QUERIDO LIVRINHO!

 

 

[...]

O Luís, quando lê esta parte da história, sente-se a ir também naquele barco, a escorregar pela água macia pintada de azul e até imagina que vê a sua cara entre as dos meninos que estão debruçados do navio a dizer adeus. Às vezes, aponta para um menino do desenho que acha parecido consigo e diz:

— Este sou eu.

Ora acontece que, por gostar muito destas páginas, é nelas que o Luís deixa ficar o livro muito tempo aberto. Abre-o tantas vezes aqui que, agora, quando pega nele e se prepara para ler, mesmo antes de o começar a folhear, zás, é logo aí que ele se abre sozinho. Até parece que já percebeu que são estas as suas páginas preferidas. As páginas seis e sete é que já estão a ficar um bocadinho cansadas e com vontade de passar algum tempo sossegadas, quietinhas, recostadas sobre as outras a repousar. Mas que hão de fazer? O trabalho de um livro é este: deixar as mãos das pessoas passarem as suas folhas, enquanto os olhos vão demorando o tempo que lhes apetece em cada uma delas. Paciência! Parece que os livros têm mesmo de ser assim, muito pacientes, e deixarem-se levar pela vontade e pelo gosto dos seus leitores. Há casos, porém, em que a paciência tem limites, como costuma dizer a mãe do Luís, quando ele faz tropelias demais. É este o caso: o livro, coitado, está mesmo a chegar ao limite da sua paciência. O Luís não o larga. Anda sempre a abri-lo e a fechá-lo, a lê-lo e a relê-lo. Ufa! E um dia:

— Isto é demais! Já não aguento mais! — Desabafa o livro, que tem vontade de variar. Quer experimentar outros leitores que tenham olhos, mãos, pensamentos, diferentes. Que se ponham a olhar demoradamente para outras páginas que também são lindas. Que leiam mais depressa ou mais devagar. Enfim, sente-se condenado às mãozinhas papudas, aos olhos muito abertos, à curiosidade nunca satisfeita deste menino que não o larga. E sonha que, se conseguir esconder-se e fugir da vista do Luís, talvez alguém diferente o encontre, pegue nele e se ponha a lê-lo... Mas o seu sonho é logo interrompido. Lá vem outra vez o seu único leitor, prontíssimo para se pôr de novo a folheá-lo. Desta vez, porém, o livro não se contém e:

— Que chatice! Caramba, já me deves saber de cor e salteado. Vê lá se aprendes a ler outra coisa.

Só que o Luís já está tão entretido a olhar para o barquinho das páginas seis e sete que nem o ouve. Tudo continua na mesma. É o desespero. Farto de ter só um leitor, o livro vai passar à ação: resolve fugir. Então, começa a arranjar as mais variadas artimanhas para tentar esconder-se: mete-se na estante da sala, atrás dos outros; salta para a alta pilha de livros em cima da mesinha de cabeceira do pai do Luís; deixa-se cair para trás dos móveis... Mas nem assim consegue resolver o problema. Naquela casa, são todos muito arrumadinhos e alguém acaba sempre por o encontrar e vir com ele na mão e a resmungar:

— Ó Luís, vê lá se aprendes a tomar conta das tuas coisas e não as deixas assim por aí, em qualquer lado.

[...]

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por Maria Almira Soares às 20:24


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