Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Quarta-feira, 19.03.14

O EXCESSO DA ARTE NUM PROFESSOR POR DEFEITO

 

 

[...] um Vergílio Ferreira que não se considera vocacionado para a profissão, mas que não se considera, por isso, impedido do exercício profissional competente; a dualidade paradoxal (abissalmente discordante do senso comum nesta matéria) de que a vocação é um obstáculo no caminho da competência profissional do professor: «Fez bem que não seguiu a sua vocação. Eu também a não segui. E no entanto sentia que os seus alunos não podiam passar sem ele.» Nesta afirmação reside uma das entradas-chave para coerentemente equacionar um sentido para as afirmações/negações vergilianas acerca do seu ser-professor.

«Mas sem padrinhos também não ia arriscar-me a uma profissão livre.» Esta afirmação convoca a questão da necessidade existencial de uma figura paternal falhada, cuja frustração mais profunda e mais traumática foi a ocorrida em ambiente de radicalidade escolar, o do seminário e, daí, a associação da falha à necessidade e à conveniência de profissionalmente permanecer ao abrigo do tecto real e simbólico da Escola. Este paradoxo, que junta padrinhos e liberdade, que coessencializa liberdade e pai (padrinho é um pai suplente), reforça a legitimidade da convicção de que, no cerne da sua escolha profissional, mais do que condições contextuais, incluindo as socioeconómicas, estão as condições existenciais dessa incapacidade de viver sem o limite de um padrão que lhe seja prévio. De não arriscar totalmente e só em si. Trata-se de segurança existencial alterada, iludida pelo efeito apagador da proximidade da questão material. Pai, apagado em padrão, apagado em padrinho, que os três participam do mesmo gene verbal e, bem assim, semântico e, bem assim, existencial. Sem pai, acolhe-se numa profissão padronizada que será a sua forma de ter alguma espécie de padrinho, de cumprir o seu inelutável e confesso «anilhamento» existencial que, simultaneamente, a sua arte de escritor rompe e a sua profissão de professor garante. Abriram-lhe, na alma, um lugar para o que não era para ser, escolarizando-lha. Razão mais funda do que a vocacional. Professor, não por tendência natural ou jeito pessoal, mas por virtude criativa das voltas complexas da sua modelação existencial. E, afinal, razão mais produtiva, porque lhe permite ser o fictor, o escultor, da sua figura de professor, colocando o problema (crucial na identidade docente vergiliana) da distância entre a persona profissional e a pessoa e patenteando ainda a verdade fundamental de Vergílio Ferreira se ter tornado professor como personagem de si mesmo, como quem se escreve em vida, em espécie. [...]

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Almira Soares às 23:15


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Março 2014

D S T Q Q S S
1
2345678
9101112131415
16171819202122
23242526272829
3031