Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Todo o escritor que constrói uma obra cria uma marca. De um romance de António Lobo Antunes, d’O Esplendor de Portugal por exemplo, pode dizer-se é «um lobo antunes». Quase como se diz de um vinho.
Prova-se, saboreia-se: e lá está o acidulado das metáforas enlouquecidas; o travo de lugares e objetos que tomam conta dos humanos; a estrutura balanceada desde a raiz ampla de uma fazenda em África até desfazer-se nas terras estreitas, cubiculares, de um bairro lisboeta; a força e a vastidão quase selvagem de um aroma estrangulado em respiração apodrecida... Não há dúvida! É um «lobo antunes». Um puro.
Em O Esplendor de Portugal, a técnica de deformação do real, de enlouquecimento do real, é a mesma de sempre: o andar em círculos até à tontura que se desprende da solidez dos mundos habitados; o tempo feito contratempo, num encolhimento esmagador da duração; o adoecer de tudo e de todos, exceto, talvez, da infância de uma mulher que ainda era Isilda e não «patroa», na boca de outra mulher que era e sempre foi Maria da Boa Morte.
Círculos e espirais imparavelmente dançados sobre um estrado de solidão compassiva, de humanidade fina decantada do sarro grosso, areoso, com que se fazem construções mutantes, afinal sempre a mesma, essa construção: frágil, trágica, mortal, iludida, derrotada, humana...
E a fechar o leque de notas inconfundíveis, uma forte neurose maníaco-associativa a puxar tudo para dentro de tudo, brinquedo de feira de horrores, girando e girando e girando... até à eternização dos gestos, à repetição imobilizadora.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.