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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
O teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há. Não têm procura os seus produtos enquanto o gosto não forma os hábitos e com eles a necessidade. Para principiar, pois, é mister criar um mercado factício. É o que fez Richelieu em Paris, e a corte de Espanha em Madrid; o que já tinham feito os certames e concursos públicos em Atenas, e o que em Lisboa tinham começado a fazer D. Manuel e D. João III.
Depois de criado o gosto público, o gosto público sustenta o teatro: é o que sucedeu em França e em Espanha; é o que teria sucedido em Portugal, se o misticismo belicoso de el-rei D. Sebastião, que não tratava senão de brigar e rezar — e logo a dominação estrangeira que nos absorveu, não tivessem cortado à nascença a planta que ainda precisava muito abrigo e muito amparo.[...]
O povo antes queria as óperas do Judeu. —Tinha razão; mas queimaram-lho e o povo deixou queimar.
Coitado do pobre povo! Com o dinheiro que ele suava para as óperas italianas, para castrados, para maestros e maestrinos, podia ter quatro teatros nacionais: e o Garção que lhe fizesse comédias que haviam de ser portuguesas deveras, porque o Garção era português às direitas.
Tinham-lhe queimado o António José porque diz que não comia toucinho; mataram--lhe o Garção numa enxovia por escrever uma carta em inglês.
E o povo deixou matar. Por isso ficou sem teatro. Não seja tolo.
Almeida Garrett*, Um Auto de Gil Vicente (Introdução), 2ª ed., Lisboa,
Publ. Europa-América, s.d., 29-31.
*Escritor português: 4/2/1799, Porto — 9/12/1854, Lisboa.
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