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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Pergunto às capas expostas
Pelo livro desejado,
Mas elas voltam-me as costas,
Pois que esse já é passado.
Na livraria mais in,
Em tempos de propaganda,
Procuro alguém que me ensine
Por onde é que o livro anda.
Mas, a noite está escura
E os tempos comerciais.
Nada fica, nada dura,
Só se quer é vender mais.
Mesmo em eras de ganância,
Não cessemos de lutar
P’los livros cuja importância
Transcende o que é popular.
Sonho que sou uma leitora andante
Por versos, por palavras, prosa dura.
Procuro os livros com' uma caminhante
Em busca do Palácio da Leitura.
Em alguns, o meu olhar descanso,
Subo-os, como quem sobe um rio manso.
Mas a outros, para os desbravar,
Preciso de insistir e de lutar.
Julgando ter meu sonho realizado,
De muito ter lido e em mim guardado
Da leitura a experiência comovida,
Refreio o ímpeto ansioso e apressado.
Mas, de repente, caio em mim e brado:
— Pra tanto livro, não chega toda a vida!
Porque escrevi eu esta história? Houve várias razões. Uma — a minha preocupação com a falta de cuidado com que, muitas vezes, se escreve e fala a língua portuguesa. Levou-me, esta preocupação, a pensar nas palavras, nas frases, coitadas, a verem-se desfiguradas e a sentirem-se como quando nos trocam o nome e não gostamos mesmo nada, ficamos zangados. Então, inventei uma revolta, uma revolta de frases em luta pela correção da escrita da nossa língua. Outra — a minha vontade de que uma história cheia de impossíveis se passasse numa escola. Porque é que as histórias de encantar hão de sempre passar-se em florestas, castelos, em mundos de fantasia? Como e onde se iria passar a revolta destas frases? Porque não numa escola? Pensei que a escola, para além de ser um lugar onde se sucedem aulas e outras coisas afins, poderia ser, pode ser, um lugar habitado pelo fantástico. Porque é que uma história onde acontecem coisas impossíveis não se há de passar numa escola, com personagens que são professores, alunos, o diretor, funcionários? Porque é que um sítio que faz parte da nossa vida de todos os dias, não pode tornar-se no lugar em que acontecem projeções mágicas, em que misteriosas frases falam em público ou desaparecem inexplicavelmente, em que um diretor conversa amigavelmente com uma frase que sente, pensa, gesticula? Uma frase vermelha. Porque é que D. frase é vermelha? Porque o vermelho é uma bela cor que sobressai nas paredes e nos tampos das mesas escolares? Porque o vermelho é a cor da revolta? Porque D. frase — Deixem-me em paz! está irritada com a situação e, quando nos irritamos, ficamos corados? A verdade é que, nisto, não pensei antes de escrever esta história.
Imagino que me aparece o Génio do Ensino e, como é da tradição dos génios, me propõe formular três desejos. E que, sem hesitar, eu aproveito para dar voz a três graves urgências e não demoro a responder. Em primeiro lugar, respondo que é absolutamente urgente: — que a nossa literatura clássica regresse em força aos programas de português; que a sua presença, agora tímida e residual, deixe de ocupar um lugar distributivo, mas passe a ser central nesses programas; que se desqualifiquem os falsos argumentos que a têm retirado e que se qualifique a experiência demonstrativa de que quem sabe ler Os Lusíadas ou os Sermões de Vieira sabe servir-se dos textos do quotidiano, enquanto o contrário não é verdadeiro; que a determinação das leituras programáticas não seja consequência de uma visão precária, pessoal ou grupal, mas fruto de um pensamento estruturado sobre desígnios fundamentados; que se encarem, lá onde elas residem, as aduzidas dificuldades na leitura dos grandes, belos e indiscutíveis textos, em vez de os transformar na causa perversa do miserabilismo literário dos programas; que a programação do ensino do português seja fonte de enriquecimento cultural e não consequência de administrativismos. Logo a seguir, respondo que é absolutamente urgente: — «refazer» os professores de português com profundos e alargados saberes e experiências, nomeadamente a da leitura; configurar e atestar a sua identidade profissional em contextos de formação credíveis e exigentes; «construir», na pessoa que se sente capaz, preparada para ser professor de português, uma persona profissional criadora de valor cultural; destruir o alisamento do professor como funcionário, investindo séria e persistentemente num quadro de formação que faça dele uma autoridade. Finalmente, respondo que é urgente: — que a ocasional novidade do ensino de uma nova ortografia seja uma oportunidade para dar atenção à grafia das palavras, habitualmente pouco valorizada; que a mudança ortográfica proporcione uma rigorosa e honesta atenção à etimologia, que tanta curiosidade desperta; que a língua seja vista como um bem comum e não como um objeto que usamos e estafamos como se pertencesse só a cada um. Quanto ao poder de um Génio para concretizar estes três desejos… fico a pensar que o engenho é necessário, sim, mas tem de ser temperado com muito estudo.
Ernesto Blanco
A desistência de ler, numa época de poderosos recursos audiovisuais, dá-se, em muito boa parte, à conta de ser a leitura vivida como um processo abstrato, quase invisível, que para se tornar operativo exige um esforço sem exteriorização. Neste infeliz contexto em que todas as coisas tratam de garantir uma imagem, ler silenciosamente torna-se uma tarefa de Sísifo, um esforço sempre em risco de perder de vista a sequência verbal donde brotam as histórias. De histórias todos gostam, mas o facto é que, para muitos que desistem de ler, o poder das histórias que conhecem por perceção sensorial direta se sobrepõe ao das que nascem do processo da leitura, mais abstrato e mais difícil. A experiência pontual de ler e ouvir ler em voz alta pode fornecer novas energias a esse Sísifo desistente em que, muitas vezes, se torna o leitor. Depois de termos ouvido realmente o som dos textos, poderemos ouvir melhor, dentro de nós, em silêncio, os animados diálogos que as longas séries de palavras separadas por espaços em branco vão projetando a partir do movimento oculto da leitura silenciosa. Trata-se de uma experiência em que as palavras, por onde correm as figuras e as histórias, se concretizam na boca e nos ouvidos. Ouvir-se e ouvir a ler em voz alta acompanha a história que se vai desenhando na nossa mente de uma banda sonora que lhe reforça o poder comunicativo. A leitura em voz alta torna o leitor/auditor e o auditor/leitor mais sensíveis aos mecanismos que permitem o trânsito de histórias pelas palavras e mais conscientes de que aqueles entes que têm som e passam das bocas de uns para os ouvidos de outros vão permanecer como imagem e memória.
O melhor roteiro que pode levar um leitor de livro em livro é o seu próprio gosto que se vai formando à medida que vai lendo. Como em muitas outras coisas, o caminho vai-se descobrindo à medida que se vai andando. Há, no entanto, sempre a possibilidade de criarmos situações que nos levem a saber da existência deste ou daquele livro e, até, a procurá-lo para comprovarmos as respostas que essas situações nos vão pedindo. E esta é mais uma via para, através de uma certa forma de jogo, ter acesso à referência e à existência de livros e, talvez, suscitar assim a vontade de ler algum deles. Aos jovens que gostam de ler, mas nem sempre sabem o que hão de ler ou não querem ficar limitados à informação disponibilizada pela restrita atualidade, é útil fornecer listas como ponto de partida para as suas procuras e continuação das suas experiências e escolhas de leitura à medida que, porventura, forem fazendo um percurso, talvez aleatório, talvez criterioso…
Ser leitor é ter em si a possibilidade de escolher, de experimentar, de gostar, de não gostar, de criar sentido crítico, de ter preferências sim, mas não de ficar agarrado apenas a um tipo de livros.
POESIA & PROSA
Era uma vez um poeta. Um dia, resolveu deixar de escrever poesia. Estava cansado dos intervalos entre os poemas. Iria escrever em prosa. Começou, continuou... mas não sabia como acabar. Ainda hoje por lá anda à procura da última palavra.
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