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O emigrante de quem falo tem hoje setenta e dois anos, emigrou aos cinquenta e quatro, e andou com as sementes no bolso durante dezassete anos - à espera de um quintal para as semear. Se isto não é dramático, não sei onde será hoje possível encontrar o drama. Durante dezassete anos, as sementes esperaram pacientemente a sua hora, o quintal prometido, a terra fertilíssima. Entretanto, o nosso compatriota, cada vez mais cansado, cada vez mais velho, mas sempre esperançoso, percorria a Austrália de ponta a ponta, cruzava os desertos, rondava os portos de mar, penetrava nas grandes cidades, inquiria do preço dos terrenos, numa busca ansiosa. Aos marinheiros do Gama deu Camões a Ilha dos Amores e o Canto Nono; este viajante português do século XX declara-se feliz, realizado, pleno, quando, de metro em punho, com os pés na regueira fresca, bate o recorde da altura em couve e comunica o feito às agências de informação. Convenhamos, amigos, que só um coração empedernido se não deixaria mover a uma lágrima de enternecimento. [...]
José Saramgo, «Elogio da Couve Portuguesa» in A Bagagem do Viajante