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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Jean B.S.Chardin
O quadro tem uma moldura grossa e lavrada. Sentada a uma escrivaninha, os pés cruzados num escabelo de seda, uma garota suspende um envelope numa das mãos, o olhar erguido para a professora enquanto ela lhe lê a carta. Deve ter acabado de a escrever. Deve estar à espera que a professora lhe diga se está bem. Olho eu também atrás e espero. Espero desde a infância que a professora acabe, o meu olhar expectante, preso ao da criança. É um olhar breve de espera, tudo vai decidir-se num momento. A professora é alta, um vestido apertado de cinta, amarelo e lilás até aos pés, um carrapito louro ao alto. Pelo sorriso dela, a carta deve estar bem. A criança sorri também, tranquilizada pelo sorriso da mestra. Faltam apenas decerto algumas linhas, concentrado tudo num instante, o breve ápice em que a cena se vai desatar. Mas o instante prolonga-se desde há sessenta anos, imóvel, subtil, a vida suspensa na graça delicada de uma criança que sorri.
Vergílio Ferreira, Para Sempre
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