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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Quarta-feira, 31.12.14

O TEMPO

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Na vida não há prazos. Por isso, fizeram os calendários e os relógios e o meio-dia com seu antes e depois.

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por Maria Almira Soares às 11:25

Domingo, 14.12.14

TERIA, JÚLIO DINIS, RAZÃO?

a ChristmasEve_Kilburne.jpg"CHRISTMAS EVE" by George Goodwin Kilburne

 

Eu não sei se esta história terá leitor tão mal-aventurado, que não possua recordações e saudades associadas à noite de Natal, aquela festiva e abençoada noite, em que as ruas e os lugares públicos se despovoam, e nos lares domésticos parece crepitar e cintilar o fogo mais acalentador do que nunca. Se algum deserdado da fortuna há aí que não saiba o que é a festa das consoadas em família, esse que não leia este capítulo, que nele não encontrará prazer. Se alguns as gozaram já noutros tempos, porém hoje erram a essas horas pelas ruas solitárias, olhando com inveja para cada raio de luz que rompe das frestas de tantas janelas discretamente fechadas, ouvindo comovidos o ruído das alegrias que vão no seio das famílias, e pela fantasia criando em cada morada um mundo íntimo de afetos e de venturas como o de que a sorte os privou, que esses me perdoem as amargas saudades, que porventura lhes avive assim. É certo que não há noite mais alegre; alegre desta alegria que vai direita ao coração, sem perturbar os sentidos com fumos de embriaguez; alegre deste alegria cândida a que o homem é sujeito do berço à velhice, a qual respeitam os estos das paixões, na idade delas, e o gelo do egoísmo, no declinar da vida. Bem escura, bem ventosa, bem fria e húmida surjas tu sempre, noite de vinte e quatro de Dezembro, que melhor então se avaliará pelo contraste a luz, o calor, o aconchego dos lares, e mais íntimos se estreitarão os círculos da família em roda da ceia patriarcal. E vós todos, a quem uma moda tola não constrangeu ainda a abandonar os hábitos que de pequenos contraístes, e festejais ainda o Natal de Cristo segundo o estilo velho, continuai a manter genuínos esses costumes nacionais, que não resultará daí desdouro para o vosso nome ou brasão. A roda da civilização, a que aplicais ombros com tanto denodo, não se cravará por isso. — Podeis, elegantes meninas, cantar loas sem escrúpulo diante do presepe armado na sala mais íntima da casa, que nem por isso cantareis pior na das visitas as árias italianas que aprendestes no colégio; não coreis de colaborar, por exceção, esta noite nos misteres da cozinha, que sobra de água-de-colónia e perfumes tendes no toucador para as abluções purificatórias. Homens graves, a república perdoar-vos-á uma pequena infidelidade, a política do país e da Europa não periclitará, desnorteada, se, por um pouco, lhe negardes a vossa atenção; humanizai-vos, pois, uma vez por ano, e baixai ao seio da família os olhares que poderosos empenhos vos trazem sublimados. — Entrai com as crianças em jogos pueris e fáceis, que não destemperareis a inteligência para as filosóficas cogitações do boston e do whist.

(A Morgadinha dos Canaviais)

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por Maria Almira Soares às 15:33

Domingo, 07.12.14

AS LEITURAS É QUE PODEM SER DIFÍCEIS, NÃO OS LIVROS

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 Muitas vezes, a reflexão que por aí se faz sobre a leitura defende que é preferível ler “lixo” do que não ler nada e que, uma vez lido o “lixo”, isso empurrará o leitor para a leitura de textos literários. A minha posição sobre esta questão é polarmente oposta. Em minha opinião, a coisa deve desenvolver-se no sentido oposto, o de alcançar a incapacidade total de ler “lixo”: ler a bela e boa e admirável literatura até chegarmos ao ponto de, ao pegarmos num livro de José Rodrigues dos Santos, por exemplo, e ao tentarmos ler ao acaso um seu parágrafo, sentirmos uma agonia, fazermos um esgar e fugirmos a sete pés. Ah, e há ainda outra coisa: as leituras é que podem ser difíceis, não os livros; um livro está disponível para as várias leituras que dele se façam; a leitura ingénua de um livro complexo é uma coisa muito interessante. E só mais uma coisa: a melhor maneira de apurar uma leitura e de melhorar leitores é conversar com eles sobre ela, a leitura. Coisas simples.

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por Maria Almira Soares às 13:47

Terça-feira, 02.12.14

PSEUDOFICÇÃO NADA-LITERÁRIA

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Uma nova tipologia textual, a pseudoficção nada-literária, brota abundantemente num quadro contextual que dá pelo nome de facebook, embora nada tenha de book e seja amplamente duvidoso que alguma coisa tenha de face. As caras têm bocas e falam. Já as fotografias são só fotografias e não falam. Comunicam, é certo, mas não falam. E não olham, fixam. Os livros são feitos de palavras. Um livro é um conluío de palavras. E, às palavras, primariamente, só podem acontecer duas coisas: serem escritas/faladas e serem lidas/ouvidas. A partir daí ficam indefesas, prontas para tudo o que com elas queiram fazer. Como às palavras pode acontecer serem escritas, está a acontecer-lhes serem parte de uma escrita que não é ficção nem deixa de o ser e que, em absoluto, não é literária. É diferente ser livre no alto da montanha ou ser livre dentro de casa. A uma palavra proferida no alto da montanha não acontece embater numa parede. O facebook não é uma casa, mas é, indubitavelmente, uma construção com as suas coordenadas abrigacionais detentoras de um poder gerador de usos de palavras. Usos que não estão cometidos da liberdade criadora da ficção literária. A não ser que pseudoprefixada. Usos pseudoficcionais que predominantemente capturam outros usos que aí poderia haver e por vezes há: aqueles que consistiriam e por vezes consistem em ser isso apenas um meio, um mensageiro, um transporte de informação pública. A pseudoficção nada-literária é uma tipologia textual na interseção de reflexos, ecos, imagens, deixas, réplicas, saudações, whatever ... uma teia palradora, silenciadora do silêncio e encobridora do vazio, detentores de um vero poder ficcional. A pseudoficção nada-literária nasce na ausência do silêncio e do vazio que há na liberdade do alto da montanha. A sua condição de existência é a absoluta ausência de Arte. Resulta de um cocktail de denominações prévias: ou é post, ou é comentário, ou é... é ver o catálogo... São palavras indefesas a tornarem-se uma tipologia textual desprovida do que nas palavras é ovo de Fénix e do que na ficção é voo que arde. Pseudo.

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por Maria Almira Soares às 21:41


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