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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Domingo, 14.12.14

TERIA, JÚLIO DINIS, RAZÃO?

a ChristmasEve_Kilburne.jpg"CHRISTMAS EVE" by George Goodwin Kilburne

 

Eu não sei se esta história terá leitor tão mal-aventurado, que não possua recordações e saudades associadas à noite de Natal, aquela festiva e abençoada noite, em que as ruas e os lugares públicos se despovoam, e nos lares domésticos parece crepitar e cintilar o fogo mais acalentador do que nunca. Se algum deserdado da fortuna há aí que não saiba o que é a festa das consoadas em família, esse que não leia este capítulo, que nele não encontrará prazer. Se alguns as gozaram já noutros tempos, porém hoje erram a essas horas pelas ruas solitárias, olhando com inveja para cada raio de luz que rompe das frestas de tantas janelas discretamente fechadas, ouvindo comovidos o ruído das alegrias que vão no seio das famílias, e pela fantasia criando em cada morada um mundo íntimo de afetos e de venturas como o de que a sorte os privou, que esses me perdoem as amargas saudades, que porventura lhes avive assim. É certo que não há noite mais alegre; alegre desta alegria que vai direita ao coração, sem perturbar os sentidos com fumos de embriaguez; alegre deste alegria cândida a que o homem é sujeito do berço à velhice, a qual respeitam os estos das paixões, na idade delas, e o gelo do egoísmo, no declinar da vida. Bem escura, bem ventosa, bem fria e húmida surjas tu sempre, noite de vinte e quatro de Dezembro, que melhor então se avaliará pelo contraste a luz, o calor, o aconchego dos lares, e mais íntimos se estreitarão os círculos da família em roda da ceia patriarcal. E vós todos, a quem uma moda tola não constrangeu ainda a abandonar os hábitos que de pequenos contraístes, e festejais ainda o Natal de Cristo segundo o estilo velho, continuai a manter genuínos esses costumes nacionais, que não resultará daí desdouro para o vosso nome ou brasão. A roda da civilização, a que aplicais ombros com tanto denodo, não se cravará por isso. — Podeis, elegantes meninas, cantar loas sem escrúpulo diante do presepe armado na sala mais íntima da casa, que nem por isso cantareis pior na das visitas as árias italianas que aprendestes no colégio; não coreis de colaborar, por exceção, esta noite nos misteres da cozinha, que sobra de água-de-colónia e perfumes tendes no toucador para as abluções purificatórias. Homens graves, a república perdoar-vos-á uma pequena infidelidade, a política do país e da Europa não periclitará, desnorteada, se, por um pouco, lhe negardes a vossa atenção; humanizai-vos, pois, uma vez por ano, e baixai ao seio da família os olhares que poderosos empenhos vos trazem sublimados. — Entrai com as crianças em jogos pueris e fáceis, que não destemperareis a inteligência para as filosóficas cogitações do boston e do whist.

(A Morgadinha dos Canaviais)

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por Maria Almira Soares às 15:33


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