Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
O livrinho tem andado por aí, a servir, e a navegar para lá do Atlântico...
«No dia 27 de setembro aconteceu o Conselho de Classe da escola, quando realizamos a leitura do texto: O gene da leitura, de Maria Almira Soares. Foi muito interessante a reflexão feita pelos professores presentes. O texto trouxe um questionamento plausível para a época em que estamos vivendo, pois em meio a tanta tecnologia, os livros e o prazer de ler parece ter ficado restrito a redes sociais e jornais diários para a maioria das pessoas. Nossa alegria foi descobrir que nesta unidade, a maioria dos profissionais têm uma preocupação em manter os hábitos leitores sem ficar ultrapassados ou acomodados em relação às novas tecnologias.»
Diz um cão velho:
— Começo a aperceber-me de um movimento de inversão no que diz respeito à aplicação de antigos provérbios. Por exemplo: a caravana lá vai indo, sempre indo. Há uns latidos. Vou sempre ouvindo uns latidos, eu próprio vou sempre ou quase sempre latindo. E a longa caravana de gente luzidia e ludibriante não se detém. Nem ouve o revoo justo dos latidos. Continua sempre indo... E eu observo que a razão apeada e desprezada do meu velho provérbio já não é a mesma.
Entre as estrelas há tempo. A Ursa não é um desenho. É um roteiro de viagens para as quais não nos chega o tempo que temos. O que temos é só a distância do olhar que interpreta. Basta uma palavra, influência, por exemplo, e, entre poetas longínquos de um passado longo, dezenas, centenas de anos se caminharão instantaneamente. Pelo olhar e pela palavra, ocultamos o tempo impossível.
Se o que, da língua, primeiro me impressiona é a música, se sou incapaz de manter uma palavra se não gosto da sua voz, que me importa que desapareçam, se não cantam? Queriam ficar? Cantassem! Quanto à língua, sou cigarra, não sou formiga.
Exame é o ato de examinar. No tempo do Antero, dizia-se «ir a actos» em vez de fazer exame e, quando nasceu o príncipe, teria havido «perdão de acto», ou seja, passagem administrativa, se essa Geração de Setenta não se andasse a portar mal. Não houve. Examinar é um verbo transitivo. Por isso, podemos perguntar: — Examinar o quê? Pois é no quê que está questão. Que quê é esse que se examina? É o que preencheu a aula, as aulas? Ainda se diz «dar aulas». E quem dá as aulas? É o professor. Se, em vez de exames, «fizessem» professores...
A história da língua é uma história de traições, uma memória incorporada de deslealdades. À semelhança do que o filósofo antigo disse da água do rio, a lealdade à língua que passou por nós no preciso momento em que lá estávamos, que era o nosso momento, é, em verdade, uma deslealdade para com a língua que julgávamos estar a aceitar como de antemão fixada. Perdem-se, nas margens do tempo, as vozes, os rostos, os olhos, as mãos, as canetas, as teclas, que instalaram comportas, levantaram remoinhos, interpuseram barragens, regularizaram leitos e caudais, desviaram linhas de água, cortaram rumorejos, roubaram transparências, ramificaram correntes e contracorrentes no grande e largo e fundo e volumoso rio que é uma língua. E, enquanto isso, ela, a língua, ri-se palimpsesticamente, ri-se queirosianamente, ri-se filosoficamente.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.