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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Sexta-feira, 24.06.16

SOBRE OS INGLESES

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— Em Londres — observou o conselheiro — tudo carvão...

Sim, dizia Carlos sorrindo, bastante carvão, sobretudo nos fogões, quando havia frio...

O Sr. Sousa Neto murmurou:

— E o frio ali deve ser sempre considerável... Clima tão ao norte!...

Esteve um momento mamando o charuto, de pálpebra cerrada. Depois, fez esta observação sagaz e profunda:

— Povo prático, povo essencialmente prático.

— Sim, bastante prático — disse vagamente Carlos, dando um passo para a sala, onde se sentiam as risadas cantantes da baronesa.

— E diga-me outra coisa — prosseguiu o Sr. Sousa Neto, com interesse, cheio de curiosidade inteligente. — Encontra-se por lá, em Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós, folhetinistas, poetas de pulso?...

Carlos deitou a ponta do charuto para o cinzeiro, e respondeu, com descaro:

— Não, não há disso.

— Logo vi — murmurou Sousa Neto. — Tudo gente de negócio.

[...]

Carlos pôde enfim soltar a pergunta que lhe faiscara nos lábios toda a noite:

— Ó Ega, quem é aquele homem, aquele Sousa Neto, que quis saber se em Inglaterra havia também literatura?

Ega olhou-o com espanto:

— Pois não adivinhaste? Não deduziste logo? Não viste imediatamente quem neste país é capaz de fazer essa pergunta?

— Não sei... Há tanta gente capaz...

E o Ega radiante:

— Oficial superior de uma grande repartição do Estado!

— De qual?

— Ora de qual! De qual há-de ser?... Da Instrução Pública!

In Os Maias (Eça de Queirós)

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por Maria Almira Soares às 14:32

Quinta-feira, 23.06.16

ALICE FAZ UM PAÍS

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       Alice era uma menina muito alegre, comunicativa e desembaraçada.

       Vivia numa grande cidade e a sua casa, como muitas outras, fazia parte de um grande edifício onde moravam muitos outros meninos. Entre eles, tinha bons amigos com os quais gostava muito de brincar. Na escola, no jardim do bairro onde morava ou mesmo em casa, a Alice aproveitava bem o tempo em brincadeiras que a deixavam muito feliz. Geralmente tudo corria bem: todos gostavam de brincar com ela. No entanto, também havia dias de azar. Dias daqueles em que parecia que tudo se virava contra a sua grande vontade de jogar à bola ou às adivinhas. Ou, até, a um outro jogo que se chamava «bom barqueiro» e que fora a avó que lhe ensinara. E sabem porquê? Porque era domingo e, como não havia escola, parecia que todos os pais tinham resolvido ir passear com os filhos para fora da cidade. Ou, então, porque era inverno e, de repente, parecia que todos tinham resolvido ficar constipados.

       Em dias como esses, a Alice, que não estava constipada nem tinha sido levada pelos pais a passear, ficava um pouco triste por não ter com quem brincar. Mas, embora um pouco triste, não desistia. Resolvia tentar a sorte com o que tinha mais à mão. E quem é que a Alice tinha mais à mão? Ora, eram o pai, a mãe e o irmão, mais velho seis anos do que ela. Punha-se a andar de volta deles a pedinchar-lhes para virem brincar ou para a deixarem ver e mexer no que estavam a fazer. Às vezes conseguia. Às vezes a Alice conseguia pôr o pai a brincar às escondidas. Ou a mãe a responder a adivinhas que tinha aprendido na escola. Já o irmão, sempre com o nariz metido no computador, era mais difícil de conquistar. Mas, outras vezes, tudo corria mal e, depois de ela andar e andar de volta deles naquela cegarrega: «— Anda brincar comigo!», perdiam a cabeça e até chegavam a alterar a voz para a mandarem sair dali.

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por Maria Almira Soares às 23:07

Quinta-feira, 16.06.16

O Centro de Recursos e Investigação sobre Literatura para a Infância e Juventude sobre A Revolta das Frases

 

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Centro de Recursos e Investigação sobre Literatura para a Infância e Juventude

 

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Sugestão Semanal

 

 

 

 

 

 

 

 

A Revolta das Frases

Soares, Maria Almira - Lisboa: Dom Quixote, 2009.

 

Da combinação de um menino imaginativo, o João, com o uso cada vez mais frequente do chamado “código restrito”, isto é, a redução de palavras e frases a meia dúzia de expressões, nem sempre em bom português, nasceu a ideia originalíssima deste livro.

O local privilegiado é uma escola, com um director, uma professora de Português, a Dona Emília, muitos alunos, muitos docentes e funcionários, onde surge um mistério intrincado para decifrar.

O João, numa das suas deambulações interiores, frequentíssimas, ao passar a mão, distraidamente por debaixo da carteira pica-se e o seu dedo começa a emitir uma frase luminosa sobre qualquer superfície: “Deixem-me em paz!”. E é uma frase muito bem construída e com uma linda caligrafia. Atónito, o garoto não sabe explicar o sucedido. Apesar de querer guardar segredo, a frase irrompe em qualquer momento, em qualquer local. Na escola vai-se sabendo do fenómeno e o garoto é acusado de usar uma tecnologia de ponta!... Da conversa a que assistiu entre o director da escola e a professora de português, João ficou sabedor que as frases escritas nos tampos das mesas pelos alunos se infiltravam no interior da madeira, desaparecendo, até ao dia em que o João se picou. Posteriormente soube-se que a frase fora escrita por alguém em determinada sala, estando o tampo sem vestígios. Descoberto o autor, o Luís, foi acareado com o João, outro arguido, dado ocuparem o mesmo lugar em turmas diferentes. No momento da acareação, a frase ressurge no tampo e fala através da vibração do ar acima da mesa. Identifica-se como representante da Confederação das Frases Portuguesas, explicando a escolha do João e do Luís para ter visibilidade. É pedida ao director a redacção de uma convocatória para uma reunião da Comunidade no Auditório para explicações posteriores. O director pensando que tudo aquilo era um delírio, redigiu, contudo a convocatória, nos termos convencionados. A ordem de trabalhos era: Palavras, Frases, Escrita e problemas afins. Ao desenvolver o tema, pela vibração do ar, com um microfone em cima da secretária, a representante da Confederação explicou a revolta das frases devido ao seu mau uso, tanto mais que são sujeitas a uma grande exposição. Assim, resolveram tornar-se invisíveis.

Claro que o entendimento da sessão passou por vários níveis: a maioria dos professores louvou o director pela sessão, perguntando, todavia, que tecnologia usou para a comunicação e qual o “spray” para o desaparecimento das frases; da parte dos alunos segredou-se que a sessão fora da iniciativa da professora de Português, por causa dos erros.

Nenhum outro acontecimento de monta ocorreu na escola, sobretudo deste teor misterioso, mas no “écran” interior dos grupos da escola, continuava a ouvir-se, em diferido: “sentimo-nos humilhadas e ofendidas”.

De grande alcance pedagógico, não só pelo tema desenvolvido como pela linguagem adoptada, este livro vem corrigir o fraco entendimento de autores de livros para crianças e jovens que insistem em utilizar um código restrito em vez de fazerem aceder os utilizadores da língua ao código alargado juntando, no caso vertente, o imaginário e o real no mundo das Palavras e das Frases.

Ilustrado por Sandra Serra, oriunda do Curso de Design Gráfico do ARCO, dedicada exclusivamente à ilustração infantil, assume-se o azul, expressão da Irrealidade e do sonho, como pano de fundo, ainda que outros tons surjam para explicar sensações como a raiva e a aflição, caso da camisa vermelha do Director. Figurativas, as personagens crianças e adultos diferem, naturalmente, não só nas cores empregadas como, sobretudo, porum traço distintivo corporal: o rosto. É redondo no primeiro caso, sinal de alegria despreocupada, anguloso no segundo pelo desgaste das partidas existenciais.

O texto icónico e o texto escrito interagem de um modo harmonioso.

A partir dos 10 anos

Manuela Maldonado

 

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por Maria Almira Soares às 21:17


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