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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Como se sonha uma leitura? Como quem inventa o gosto de ter certos pensamentos que precisam de ser suscitados por palavras escritas. Como quem inventa uma emoção, um reconhecimento, um confronto, uma surpresa, uma descoberta produzida por palavras escritas. Como quem anseia por gostar, emocionar-se, confrontar-se, surpreender-se, descobrir, reconhecer, em linguagem, aquilo que, em linguagem, ainda se lhe não oferece, ultrapassando, assim, o desgosto, cansaço, tédio, rotina, inutilidade, sono, indiferença, cegueira que lê nas palavras que os outros escrevem. Como quem inventa estímulos para o seu desejo antecipado. Transformam-se os desejos em factos, não por virtude de os tirar de si, mas como quem a si os dá; satisfaz-se o gosto de ler, inventando escritas onde esse gosto possa ser procurado e encontrado, construído. Se Pessoa não tivesse querido dar a estas suas criações, a que chamou heterónimos, o estatuto de objecto de legibilidades várias e sobretudo da sua própria legibilidade, porque iria Pessoa dividir-se em vários autores? Ele não é Reis, não gostaria de ser como Reis, mas gostaria de ler algo como Reis. Ele não é Caeiro, não gostaria de ser como Caeiro, mas gostaria de estranhar, pela leitura, algo como Caeiro. Ele não é Campos, talvez gostasse de ser capaz de ser um pouco mais como Campos, mas gostaria sobretudo de se estimular, lendo algo como Campos. E mais: gostaria de que os seus contemporâneos pudessem lê-los aos três, ao mesmo tempo que ele, de que a literatura portuguesa do seu tempo os comportasse.
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