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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Sexta-feira, 01.05.20

JÁ SEI! o B

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No dia seguinte, mais ou menos à mesma hora, o Já Sei, que era pontual, apareceu no mesmo sítio do jardim, onde o Luís e a Susana se costumavam sentar depois de ficarem cansados com tanta brincadeira. Vinha a dançar e a cantar:

B   B  B B   B B   B B   B!

— Olá! Vens todo contente. Que é isso que vens a cantar?

— Olá! É a cantiga do B.

— Qual ? Não conheço nenhum .

— O B é a segunda letra. Vem logo a seguir ao A.

— Ah! As letras também servem para cantar! Julguei que era só para brincar… — Disse a Susana.

— As letras servem para escrever. Depois de escritas, podemos lê-las, dizê-las, cantá-las…

— Já vi o meu pai a escrever.

— E eu já vi a minha mãe a ler.

— Mas nós ainda não sabemos.

— Pois não. Ainda sois pequeninos. Mas, agora, já sabeis como é o A.

— E o como é? — Perguntou o Luís.

— Assim: B

O Já Sei soprou com força e um grande B ficou desenhado na areia.

— É muito diferente do A. Tem duas barrigas!

— E hoje a que é que vamos brincar? — Perguntou o Luís.

— Ao B. Olhem muito bem para este B que aqui está. Eu vou contar até 10. Quando chegar ao 10, este B desaparece daqui e vai esconder-se nos arbustos do jardim. E vocês vão procurá-lo. Se souberem muito bem como ele é, pode ser que o encontrem.... Mas, se não se conseguirem lembrar de como ele é, mesmo que esteja à vossa frente, não o conseguirão ver. Preparados? Vou começar: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Pst!

— Desapareceu! — Disseram os dois.

— Agora, podem começar a procurar. Eu fico aqui à espera.

E estendeu-se na areia todo repimpado. Parecia uma lagarta gorducha.

   O Luís e a Susana lá andavam por um lado e por outro, afastando os ramos dos arbustos, espreitando para trás dos vasos de flores, à procura do B, mas, por enquanto, nada! Ou estava muito bem escondido ou eles tinham-se esquecido de como ele era e, por isso, não o conseguiam ver. Era bem divertido este jogo do B, parecido com a caça ao tesouro ou com o jogo das escondidas. De repente, ouviu-se um gritinho. Era a Susana:

— Está aqui!

E lá vinha ela com um grande B na mão, a cantar toda contente: bê-bê-bê-bê!

— Onde é que o encontraste? — Perguntou o Luís.

— Estava atrás da roseira. Ia-me picando toda. Mas vi-o logo. Lembrava-me tão bem das suas duas barriguinhas!

— Eu também me lembrava. Mas tu chegaste lá primeiro.

— Tive sorte.

— Muito bem, muito bem. — Disse o Já Sei. — Este jogo das letras está a correr muito bem.

— Pois está. Já sabemos o A e o B.

— Agora, são horas de me ir embora. Até amanhã! — Disse o Já Sei e lá foi, pulando, até ao fundo do jardim.

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por Maria Almira Soares às 10:54

Sexta-feira, 01.05.20

JÁ SEI! o A

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Era verão. Estava calor e os dias eram grandes.

A Susana e o Luís, cansados de tanto brincar, sentaram-se num murinho do jardim. Os dois amigos já tinham brincado a tudo: a correr, a saltar, a jogar à bola. Agora, estavam a descansar, calados, a olhar para o chão, sem fazerem nada. Ao fim de algum tempo, começaram a ouvir um barulho, baixinho e repetido, como se alguém viesse a aproximar-se. Levantaram um pouco a cabeça e viram, a mover-se na areia grossa da álea do jardim, uma figura que ainda não conseguiam perceber quem era. Deslocava-se aos pulos, com a cabeça bem levantada e dirigia-se ao lugar onde eles estavam. O seu corpo tinha a forma de um harmónio e era muito colorido — vermelho, amarelo, verde, cor de rosa, azul, cor de laranja — como os balões do São João ou os bonecos das festas chinesas. Pelas marcas deixadas na areia, parecia ter vindo assim a pular, lá desde o fundo do jardim, uma parte onde havia muitas árvores. À medida que se ia aproximando, a Susana e o Luís iam vendo melhor a sua cabeça, redonda e bem erguida. Até já conseguiam ver que tinha uns olhos risonhos, uma boca muito bem desenhada, um nariz e duas orelhas. Os meninos estavam de boca aberta de espanto a olhar para o que não sabiam o que era. Mas sabiam— agora já não tinham dúvidas — que vinha ter com eles. Quando já estava muito próximo, parou. Esticou o corpo, levantou ainda mais a cabeça, olhou para eles e disse:

— Olá!

A Susana e o Luís estavam tão espantados, que nem foram capazes de lhe responder. E, então, ele repetiu:

— Olá!

E, desta vez, ao ouvirem um «olá» tão alegre, quase sem quererem, responderam:

— Olá!

— Sabem quem eu sou?

— Não!!

— Pois eu sei quem vocês são. Conheço-vos, porque vivo neste jardim. Tu és a Susana. E tu és o Luís, amigo da Susana, e costumas vir brincar com ela, todas as tardes.

— E tu? Como é que te chamas? — Perguntou a Susana, já mais calma.

— Eu? Eu sou o Já Sei.

Já Sei?! — Espantaram-se os dois.

— Sim. Chamo-me Já Sei.

Os dois meninos olharam um para o outro muito admirados: não conheciam ninguém chamado Já Sei. Mas também não conheciam ninguém com um corpo igual àquele.

— E quem é que te pôs esse nome tão esquisito?

— Foram os meus irmãos mais velhos.

— Ah! Tens irmãos!

— Pois tenho. Tenho dois: o Já Faço e o Já Vou.

— Ah, ah, ah, que engraçado! Vocês devem ser da família . São todos ! — Disseram, a rirem-se, os dois amigos.

— Como é que adivinharam? É verdade. A minha mãe é a D. Já Está e o meu pai é o Senhor Já Cheguei. Querem saber por que razão vim ter convosco?

— Queremos!

— Pois, então, eu vim, porque vocês já não sabiam ao que haviam de brincar.

— E tu? Sabes?

— Claro! Eu sou o Já Sei.

— Então, diz lá.

— Bem, eu sei uma brincadeira a que acho que vocês nunca brincaram.

— Qual é?

— Às letras.

— Às quê?

— Às letras.

— Letras?! O que é isso?

— Isso é o que vocês vão ficar a saber, se quiserem brincar comigo.

— ‘Tá bem! E há muitas letras?

— Vinte e seis!

— Tantas! E são todas iguais?

— Não. Nada disso. As letras são todas diferentes umas das outras.

— Diferentes, como?

— Cada uma tem um desenho diferente. Umas são mais gordinhas, outras mais magrinhas; umas mais redondas, outras mais bicudas; e assim…

— Ah!

— E também são diferentes no som. Cada letra tem um som diferente.

— Que engraçado!

— E como é que se brinca às letras?

— Se vocês quiserem, eu venho aqui ter convosco todos os dias e, em cada dia, brincamos a uma letra.

— Até já podíamos começar hoje. — Pediu a Susana.

— Pois, estávamos tão aborrecidos sem saber ao que brincar… — Apoiou o Luís.

— Muito bem. — Disse o Já Sei e soprou a areia do jardim.

Imediatamente apareceu um grande A desenhado no chão.

— Que giro! Parece um escadote aberto.

— A mim, parece-me uma cabana.

— Nem escadote nem cabana. Este é o A, a primeira letra. Mas este é um A mágico. Vamos brincar ao A. É assim:

1º — Vocês olham muito bem para o A.

2º — Fecham os olhos com muita força e ficam a pensar no A.

3º — Com os olhos ainda fechados, dizem: A!, virados para o chão.

4º — Abrem os olhos.

Se aparecer um A desenhado na areia à vossa frente, ganharam.

— Ganhámos?! Porquê?

— Porque o A só aparece, se vocês, mesmo com os olhos fechados, se lembrarem de como ele é.

— Vamos jogar?

— Vamos.

Então, o Luís e a Susana olharam muito bem para o A e, depois, fecharam os olhos, enquanto o Já Sei o apagava do chão e, depois, gritava:

— Agora!

E os dois, ainda com os olhos bem fechados, disseram:

A!

A!

— Ganharam os dois. Já podem abrir os olhos.

E, na verdade, como que por magia, à frente de cada um, lá estava a letra A desenhada na areia do jardim.

Riram-se e bateram palmas, todos contentes:

— Já sei o A!

— Já sei o A!

— Agora, tenho de me ir embora. — Disse o Já Sei — Até amanhã!

E lá foi, pulando até ao fundo do jardim, enquanto o Luís e a Susana também pulavam, mas de contentes por já saberem o A, a primeira letra.

 

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por Maria Almira Soares às 10:48


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