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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Desde o «estabelecer-se-ia entre nós o diálogo mudo» da primeira página até ao «retomariam a peregrinação» da última, o uso do futuro do pretérito como modo de narrar induz, na lógica narrativa deste romance, uma perspetiva alucinatória. Dilui a consciência da realidade na dimensão da possibilidade.
O uso do futuro do pretérito como tempo narrativo gera uma significação aspetual de antecipação fictiva, de troca de posição dos planos temporais arquetipicamente sucessivos, libertando-os dessa sua obrigação sequencial e fazendo-os vogar, quais manchas cronologicamente desenraizadas, no jogo de omnisciências, prerrogativa dos narradores. A ordem semântica sobrepõe-se à ordem pragmática.
A ordenação das ocorrências e a ordenação da narração deslizam uma sobre a outra antepondo e pospondo os intervalos temporais que constroem a história, mas dando predominância significativa à referência antecipatória.
O uso do futuro do pretérito empurra o facto a haver — que o narrador sabe que houve — para o momento da sua eventualidade, tornando-o silhueta, sombra, despojando-o da inteireza da sua realidade. A presumível geometria linear da sucessão das imagens-quadros-parágrafos quebra-se sob a constante produção de incerteza. A narração é uma sucessão de intervalos entre pontos de futuro antecipado. Não há lugar para a ânsia progressiva pela certeza de uma conclusão. O movimento narrativo inverte-se, regride, recolhe-se num tracejado de frágeis possíveis, pendentes do futuro conhecido/desconhecido, de inseguranças.
Como em tudo o mais, no modo de narrar deste romance, pelo uso do futuro do perfeito, impera a consciência da mortalidade transcendida pela crença na ressurreição.
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