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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Quarta-feira, 25.11.20

O LEITOR

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(Lesser Ury)

A ideia do incremento da leitura é preferencialmente associada a atividades com crianças, o que se compreende bem, já que a infância é a idade boa para o lançamento de sementes de futuro. Uma vez, porém, que essas sementes, por vezes, muitas vezes, não frutificam e dão em pouco-leitores ou não-leitores, torna-se também desejável incrementar a leitura junto dos adultos.

   Note-se que incrementar a leitura tem valor quantitativo e qualitativo e, por isso, implica mais gente a ler, a ler mais livros, mas também a fazer boas escolhas e a apurar os seus critérios, o que não se torna fácil, dados os contextos pouco favoráveis a estes desideratos.

   De facto, não são apenas as crianças que são alvo de manobras de atratividade fácil, de adesão à superficialidade e à rapidez de contacto. Os adultos leitores ou possíveis leitores são cercados — por quase todos os lados — pela oferta insistente de histórias leves, rápidas, muito ao rés do viver rotineiro e das emoções típicas, das emoções de catálogo.

   Trata-se de histórias que não têm o poder de despertar o imaginário para paisagens de espanto e de perplexidade. São histórias com as quais é previsível a identificação com um construído modelo único de leitor e em que a pluralidade dos leitores suavemente se encaixa falseando a sua autenticidade e singularidade pessoal, em prol de formatados prazeres ou passatempos pouco exigentes. Em poucas palavras, trata-se de leituras rasas, rentes às vividas rotinas quotidianas sentimentais ou outras, a que o leitor se submete alienando-se da sua própria complexidade e do seu poder de autodescoberta.

     Assim, leitores adultos alheiam-se de pôr à prova a leitura de emoções, sentimentos, sim, mas na grandeza literária de um desses sublimes romances como por exemplo Gente Feliz com Lágrimas de João de Melo. Não procuram a experiência do estranhamento, da confrontação, do alargamento do seu mundo de referências que a leitura de, por exemplo, Conversa na Catedral de Vargas Lhosa  suscitaria no seu imaginário.

   Sob o pretexto de falta de tempo, de paciência e até de gosto pelo que é de produção antiga, demorado, trabalhado, muitos leitores ou possíveis leitores respondem, à fraquíssima probabilidade de lerem um desses grandes romances, com a afirmação de um gosto e capacidade externamente formatados para eles e para todos, para quantos mais melhor. E, por um movimento que quase pode parecer de orgulho, os grandes romances, os grandes clássicos universais, obras-primas, retiram-se da possibilidade de qualquer encontro. Claro que não é orgulho, é perda, na agressiva competição de atrair os leitores para o gesto de compra e, talvez, de leitura. A viciosa massificação do gosto e do desejo e a subserviência às tendências dominantes comandadas pelo desígnio de retirar o risco do negócio dos livros fazem quase-desaparecer do alcance do leitor-adulto tudo que não seja fruto da espuma dos dias. Perda considerável!

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por Maria Almira Soares às 13:24

Sexta-feira, 20.11.20

LENDO...

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   Mesmo Camilo, que o que fazia era contar-nos histórias, mesmo Camilo digo, não perdia a oportunidade de expor pensamento, de fazer o seu chiste, de estar, enfim. Os romances de João Pinto Coelho contam-nos histórias, e com grande desenvoltura, mas, neles, o autor não está.

   João Pinto Coelho é um arquiteto de histórias, alguém que gasta toda a escrita a compor e a narrar histórias. E a despertar curiosidades e a surpreender expectativas e a construir contextos. Nos romances de João Pinto Coelho, há o gosto da peripécia do drama como diria Garrett. O gosto da disposição das partes que concorrem para um fim. Não se abrem corredores que nos descentrem dos interesses intrínsecos da intriga. João Pinto Coelho desenha os seus romances muito cuidadosamente levando as palavras pelos caminhos planeados para que ergam a história. E o desenho é, por vezes, muito fino, na solidez do volume de acontecimentos. Há uma rede de lógicas planeadamente desocultadas e sabiamente distribuídas como impulsos narrativos. Com perícia e com sucesso.

      Os romances de João Pinto Coelho fazem leitores. Leitores que não se perdem, que querem chegar, que querem saber. Não ficam parados, porque pressentem, ou desejam, o futuro da história que até pode ser o seu passado. E, de repente, por um nome, por uma presença, por uma referência, a história desaba e, assim, se constrói. E os leitores sentem-se brindados. N’Os Loucos da Rua Mazur, fiquei mais vezes parada aqui e ali do que em Perguntem a Sarah Gross. E isso foi bom para a leitora que eu sou. N’Um Tempo a Fingir, ainda não sei. Ainda o não li.

 

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por Maria Almira Soares às 17:10

Terça-feira, 17.11.20

O QUE É ESTE LIVRO?

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   A definição de um cânone literário, certamente não é. Talvez a ironização da consistência da ideia de cânone literário. Talvez a tendência neste sentido se manifeste. Tendência, no entanto, aqui e ali destratada pela incontrolada variabilidade das opiniões subjacentes em cada texto incluído. Pela repetição notória de certas autorias, cujos textos fazem bandeira da desconstrução de qualquer canónico ponto de apoio e prescindem de qualquer universo de referência, parece ser essa, a da ironia, a identidade semântica deste livro: o cânone comummente suposto não é para ser tomado a sério mesmo quando é tomado a sério. O título será, então, irónico, ou, pelo menos, polissémico. E, talvez para melhor o demonstrar, o livro não pôde, não soube ou não quis ausentar das suas páginas ensaios bem amadurecidos, que não tomam a ideia de cânone como risível, a partir do estudo sério de escritores não-apeáveis.

   Não me parece que este livro seja uma coleção de ensaios literários. Vários dos textos que o compõem, não os consigo ler como ensaios. Na minha leitura, são crónicas, coleções de historietas. Não me é possível pensar que possam representar uma tendência no campo do ensaio literário. Outros, porém, são, sim, ensaios e ensaios muito bons. Que acrescentam. Não distraem. Pelos cerca de vinte que assim considero, valeu a pena a existência do livro.

 

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por Maria Almira Soares às 17:35


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