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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Neste livro, há um conto meu e, nesse conto, pode ler-se:
[...]
Entretanto, iria afadigar-se com pequenos e variados afazeres domésticos que tinha atrasados, porque era esse um modo eficaz de bloquear a ansiedade, um conhecido e praticado modo de artificioso esquecimento que lhe permitiria surpreender-se com a chegada do neto, como de facto aconteceu:
— Já?
— Já!? Tínhamos combinado a esta hora, avô.
— Pois foi. Eu é que me tinha distraído. Estás grande!
— …
E, depois de um tempo de perguntas talvez supérfluas e respostas a condizer:
— Vou mostrar-te o Mendes, vais gostar do Mendes.
O Nuno estranhava sempre Portugal e aquele «mostrar-te o Mendes»... Seria cão? Seria gato?
O filósofo riu-se.
— Vamos a casa do Mendes, um amigo meu…
— Ah!
— … e, depois, se calhar, vamos até ao café, conversar. Gostas de conversar?
— Gosto. E gosto de ouvir conversar.
— Ótimo.
— Ó avô, tu és fi-ló-so-fo?
O Nuno articulava muito bem e vagarosamente as palavras difíceis. As outras, dizia-as a correr.
— Sou.
— E o Mendes?
— O Mendes é linguista.
— Lin-gu-is-ta!?
— Sim, gosta de estudar as palavras.
— E tu gostas de estudar o quê?
Iam a pé a casa do Mendes que não morava muito longe. Iam andando e conversando. De momento, José Vicente não estava descontente com o teor da conversa. Falavam de livros. O Nuno, quando chegara, trazia um livro, um desses álbuns de divulgação histórica para crianças sobre a biblioteca de Alexandria.
— Aquele livro que tu trazias…
— O da biblioteca de Alexandria?
— Sim, tu…
— Outro dia, vi na Net coisas fantásticas sobre a biblioteca de Alexandria.
— Ah, na Net…
— Tu não gostas da Internet?
— Sim, gosto, mas… Então, tu não sabes o que é um filósofo?
— Pois não.
— Um filósofo é alguém que gosta muito de saber.
— Ó avô, há mais filósofos como tu?
— Há, claro que há, e já há muito, muito tempo. Olha, no tempo da biblioteca de Alexandria, já havia filósofos. E muito antes, até.
— Não sei o nome de nenhum filósofo, sem ser o teu.
— Sabes nomes de quê?
— De jogadores de futebol, de cientistas, de músicos… Vá lá, diz lá o nome de um filósofo.
— Olha, por exemplo, Platão.
— Platão! Que nome tão esquisito!
[...]
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