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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Segunda-feira, 25.09.17

A MÁGICA FLORESTA VERBAL

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       Há coisas difíceis de avaliar no sentido mercantil da palavra: a leitura, por exemplo. O que vale ler? Muito. Ler os grandes autores de uma literatura? Muitíssimo. Fazer os nossos jovens lerem na escola os autores máximos da literatura portuguesa? Sem preço. Haverá, desta questão, outra consciência e razões para a razão dela. Poderão, no entanto, consciência e razões serem falsas e a falsidade é uma coisa precária. Todos os que aduzem razões têm razões para isso. Mas ter a sua razão não é ainda ter razão. Melhor do que ter a sua razão é ter a verificação da experiência de que o melhor lugar onde está a língua portuguesa são os grandes textos literários. Ter a longa experiência de que se ensina/aprende com grande clareza e eficácia a língua portuguesa lendo os grandes textos literários portugueses. O resto mora noutra morada. Se não se ensina língua com os grandes textos literários, a causa não está nos textos, mas alhures. Se não se sabe ensinar língua com os textos literários deve aprender-se a fazê-lo. Saber--se-á fazê-lo com outros textos? Que uso da língua dar-se a saber? E que inibição no conhecimento da língua não plantar? O olhar que desenraiza a língua das grandes realizações humanas que com ela se fazem; que a vê, formal e abstractamente, numa pulsão de a explorar de modo entrópico; que a estuda na solidão da frase e da palavra cortada dos mundos que inevitavelmente elas constroem e do desdobramento de versões que de si mesmas fazem na comunicação literária, está apenas a assegurar-se uma coerência auto-protectora, uma defesa contra o tormento da verdade. A clareza da gramática ou se entende na riqueza da língua ou torna-se uma técnica, uma linguagem, no pior sentido.

       A escola tem obrigação de ensinar a Língua Portuguesa no e com o que Gil Vicente, Camões, Vieira, Cesário, Pessoa... fizeram com ela. Aprendida nestes lugares, não se tornará pólo de nenhuma antinomia, abrir-se-á à leitura e ao uso com uma grande bonomia. Orientar a leitura não é sinónimo de estreitar; é uma coisa laboriosa e difícil que se faz enquanto se lê. A escola deve alimentar, deve aumentar, deve engrandecer, e não fornecer doses de fast language, de repulsão do maravilhamento da polissemia, do desencanto de jamais encontrar, lá no meio da mágica floresta verbal da literatura, a pedra dura da gramática bem explícita. Deve levar a aprender na diferença e na estranheza e não na massificação verbal, na bata estilística do texto que serve para. Esta literacia é pouco, é muito pouco: aos iletrados sem escola, ou resultantes das inabilidades e leviandades da escola, não são devidas apenas meia dúzia de técnicas textuais ou discursivas em que a língua significa em fórmulas fechadas, prontas a funcionar.

         Este não é um debate ocioso sobre a presença ou ausência deste ou daquele autor ou ainda de um restinho daqueloutro; trata-se do modo de aprender: imediatista, tecnicista. Aprender a fazer um relatório é só aprender a fazer um relatório e imitar uma notícia de jornal nem sequer ensina a ler a notícia do jornal, porque o jornal só é bom de ler quando se lê com os nossos olhos e, sobretudo, se os nossos olhos vierem cheios de Gil Vicente e Vieira e Camões... Sem grandeza não há educação.

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por Maria Almira Soares às 20:31


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