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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
A sala de jantar da Torre, que abria por três portas envidraçadas para uma funda varanda alpendrada, conservava, do tempo do avô Damião (o tradutor de Valerius Flaccus), dois formosos panos de Arrás representando a «Expedição dos Argonauras». Louças da Índia e do Japão, desirmanadas e preciosas, recheavam um imenso armário de mogno. E sobre o mármore dos aparadores rebrilhavam os restos, ainda ricos, das pratas famosas dos Ramires que o Bento constantemente areava e polia com amor. Mas Gonçalo, sobretudo de Verão, sempre almoçava e jantava na varanda luminosa e fresca, bem esteirada, revestida até meio muro por finos azulejos do século XVIII, e oferecendo a um canto, para as preguiças do charuto, um profundo canapé de palhinha com almofadas de damasco.
Quando lá entrou, com os jornais da manhã que não abrira, o Pereira esperava, encostado a um grosso guarda-sol de paninho escarlate, considerando pensativamente a quinta que, dali, se abrangia até aos álamos da ribeira do Coice e aos outeiros suaves de Valverde. Era um velho esgalgado e rijo, todo ossos, com um carão moreno, de olhos miudinhos e azulados, e uma barbicha rala, já branca, entre dois enormes colarinhos presos por botões de ouro. Homem de propriedade, acostumado à cidade e ao trato das autoridades, estendeu largamente a mão ao Fidalgo da Torre, e aceitou, sem embaraço, a cadeira que ele lhe empurrara para a mesa — onde dominavam, com os seus ricos lavores, duas altas infusas de cristal antigo, uma cheia de açucenas e a outra de vinho verde.
— Então, que bom vento o traz pela Torre, Pereira amigo?
Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires, Lisboa, Livros do Brasil, s.d., págs. 60 e 61.
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