Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
...................................................................................................................................................................
Enquanto a Mãe trabalhava escrevendo, que era esse o trabalho da Mãe, a Catarina dizia:
— Qué’o escvê! Qué’o escvê!
Claro que a Catarina ainda não sabia escrever, mas também não sabia que não sabia. Julgava que os riscos e rabiscos, que fazia nos papéis que a Mãe lhe dava, eram escrever. Fazia riscos, olhava para a Mãe e dizia:
— A Cataína é quitora!
Os livros da Cataína quitora eram folhas cheias de riscos.
Um dia em que a Catarina pediu uma caneta à Mãe, a Mãe disse:
— Olha, pega lá esta que é nova.
E passou-lhe para as mãos aquela bela canetinha vermelha que, no dia anterior, tinham comprado na papelaria da D. Adelina.
Nesse dia, estava calor e a Mãe abriu a porta envidraçada da sala para o terraço e foi trabalhar para o ar livre. O chão do terraço é de pedra. A Catarina está estendida no chão, de rabo para o ar, e agarra com força na caneta que a Mãe lhe deu. Começa a fazer riscos na folha de papel à sua frente. Faz um risco e ouve-se um ruído fininho, áspero e arrepiante: crrriiiiiiiiii... Faz outro risco e ouve-se outro ruído fino, áspero e arrepiante: crrriiiiiiii... É o bico da caneta a romper o papel e a arranhar a pedra do chão. E, na próxima vez em que a Catarina pediu uma caneta, a Mãe, a rir-se, disse:
— Queres a Cricri?
A bela canetinha vermelha passou a ser a Cricri. Bela, era ela, mas quanto a servir para alguma coisa... Olha, nesse tempo, acho que foi só nesse dia, no terraço, a única vez em que ela escreveu alguma coisa. Depois disso...
Começámos todos a desconfiar. Alguma coisa não estava bem com a Cricri. Era assim: sempre que alguém tentava escrever qualquer coisa com ela, acontecia... O quê? Ou caía-nos da mão. Ou rolava para debaixo de um móvel qualquer e, só passado muito tempo, é que a encontrávamos. Ou, quando fazíamos uma pausa na escrita e a pousávamos, metia-se por entre as pilhas de papéis e livros, desaparecia... — Mas onde é que se meteu a danada da caneta? — Ainda agora aqui estava e... — Parece feitiço! Sempre que precisamos dela, puf... Parece de propósito! Volta e meia, meia volta, lá andávamos nós a espreitar para debaixo dos móveis, a levantar as pontas dos tapetes, a remexer nas coisas em cima da mesa, à procura da Cricri. Só aparecia, quando a Mãe já tinha desistido e pegara numa outra caneta. Era isso. Aquela caneta arranjava maneira de estar sempre perdida. E, como todos estavam também sempre cheios de pressa e sem paciência para perder muito tempo a procurá-la, o facto é que a Cricri não escrevia nada ou quase nada. Tirando os resmungos de cada vez que isso acontecia, ninguém dava muita importância aos frequentes e estratégicos desaparecimentos da Cricri. Coincidências! Mas, a certa altura, começámos a desconfiar... E a Mãe disse: — Até parece que tem medo de escrever! Catarina, parece que comprámos uma caneta que tem medo de escrever, ah, ah, ah! A Mãe tem muita imaginação. Mas foi o Pai da Catarina que resolveu o problema.
..............................................................................................................................................................................................
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.