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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Contar a história de um amor adolescente, ainda que sendo o próprio a contá-lo, ainda que sendo vivido com uma mulher muito mais velha, ainda que sendo essa mulher a mãe do melhor amigo, seria certamente um romance, mas não seria, ainda, uma obra-prima.
Procurar a textura, a essência, a alma, a luz dessa história antiga, na destrinça de todas as luzes posteriores, até as cegantes luzes do agora, isso sim, é criar uma obra de arte literária com a marca da excelência.
A luz que dimana dos objetos, das pessoas, dos lugares, das cenas, das emoções antigas, na sua velocidade quase-instantânea de luz, ilude o percurso temporal e faz com que esses objetos, pessoas, lugares, cenas, emoções, apareçam puros, intocados. Porém, esse feixe luminoso transportador de imagens distantes incide numa tela poluída por inúmeras outras luzes dimanadas de outros objetos, pessoas, lugares, cenas, emoções, construtoras de outros percursos com outras luzes, calcorreados ao longo de décadas e também pelo faiscar instantâneo do agora. Duas medidas, duas velocidades, que se fazem atrito: a que transporta a luz de lá para cá e a que, de cá, procura encarar, divisar, isolar, essa luz antiga.
É o choque destas duas luzes pouco-miscíveis que incorpora neste romance o seu mais interessante significado, quase-desvenda o seu mistério, quase-ilumina o seu segredo, incessantemente buscado por entre o cruzamento de todas as luzes posteriores. Mais do que os ingredientes de uma intriga carregada de incidentes romanescos, é o desenho das figuras, das cenas, das emoções, dos objetos sobre transparências móveis que procuram sobrepor-se, que procuram a impossível coincidência, num atrito por vezes quase insuportável que faz a carne deste romance. Trata-se da memória, essa «luz antiga»...
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