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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
No próximo dia 28, na comunidade de leitores LERDOCELER, o livro bem presente vai ser este:
Há quem vá de avião. Eu fui de livro. E foi Chimamanda Ngozi Adichie quem me ofereceu a passagem. Fui de livro e ir de livro não é só viajar, é estar. Durante mais de setecentas páginas estive em África. Estive em África, mas não apenas no lugar, nesse lugar do mundo a que chamam África. Não estive apenas nos lugares, estive em pessoas, em desejos, em emoções, em pensamentos, em gestos, em momentos e circunstâncias. Meio Sol Amarelo levou-me à Nigéria e, de lá, a ver o mundo. Um país é sempre também quem o olha de fora, quem o ignora de fora, quem o confunde de fora. E quem dele sai para o mundo. Levou-me a ver o mundo, porque as pessoas que são um país, neste caso a Nigéria, são um mundo. Andei e sofri e rejubilei com Kainene, com Olanna, com Ugwu, com Odenigbo, com Richard... Mas, tenho de confessar, andei sobretudo com Ugwu. E sinto-me grata pela sua companhia. E sinto-me grata a Chimamanda por ter criado este meu companheiro de viagem-leitura. Andar com ele foi andar com a ternura, com a inocência, com o sonho, com o amor, com a fraqueza, com toda a gama dos sentimentos mais humanos. Ugwu é, entre os habitantes da metade de sol que ilumina este livro, uma espécie de força mansa que os mantém. Na alegria e na tragédia. Do seu lugar, no seu lugar, aparentemente subalterno, Ugwu é, para todos, direta ou indiretamente, uma referência de bravia pureza e de ânsia de bem. Agradeço a Chimamanda ter escrito este livro e, sobretudo, ter criado este rapazinho impertinente e macio.
Eu nunca fui a África. Mas... Depois deste livro, fico na dúvida. Há uma maneira, a da leitura, de chegar aos povos, aos problemas, à História, à morte e à vida dos diferentes lugares do mundo, quando o livro e o que nele vai escrito, se abre para nos deixar passar, para nos deixar entrar. De uma maneira simples que é, afinal, aquela que melhor nos conta a complexidade.
Um livro profundamente humanista.
Quando Olanna chega a Kano, a casa da tia Ifeka, eu chego com ela. Na distância de todas as áfricas — humanas, geográficas, históricas, antropológicas, sociológicas, linguísticas, que sei eu — e na proximidade de todos os lugares do mundo onde há a ternura que acolhe e festeja, eu chego também. Eu sinto-me simultaneamente nas palavras de uma Chimamanda, de um António Nobre, de um Júlio Dinis... porque comigo, ao ler, chega também o Henriquinho a casa da tia Doroteia. Quando ouço a tia Ifeka a dizer «— A nossa Olanna!» ouço também a avó do poema de Nobre: «— Qu’é dos teus olhos, dos teus braços,/Valha-me Deus! Como ele vem!» Numa realidade muito diferente, a emoção é a mesma, a qualidade do Humano é a mesma. E saber escrevê-la uma vitória.
Eu nunca fui a África. Eu já fui a África. Nomeadamente à Nigéria.
Maria Almira Soares
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