Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
«Há talento, há saber», diria cordatamente o queirosiano Cohen, se aqui pudesse estar, mas a verdade é que disto quem sabia era o genial Garrett:
«Sim, leitor benévolo, e por esta ocasião te vou explicar como nós hoje em dia fazemos a nossa literatura. Já não me importa guardar segredo; depois desta desgraça não me importa já nada. Saberás pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te fazemos ler.
Trata-se de um romance, de um drama — cuidas que vamos estudar a História, a Natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios, as memórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o somos. Desenhar caracteres e situações do vivo na Natureza, colori-los das cores verdadeiras da História... isso é trabalho difícil, longo, delicado, exige um estudo, um talento, e sobretudo um tacto!...
Não senhor: a coisa faz-se muito mais facilmente. Eu lhe explico.
Todo o drama e todo o romance precisa de:
Uma ou duas damas.
Um pai.
Dois ou três filhos, de dezanove a trinta anos.
Um criado velho.
Um monstro, encarregado de fazer as maldades.
Vários tratantes e algumas pessoas capazes para intermédios.
Ora bem, vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eug. Sue, de Vítor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que precisa, gruda-as sobre uma folha de papel da cor da moda, verde, pardo, azul - como fazem as raparigas inglesas aos seus álbuns e scrapbooks, forma com elas os grupos e situações que lhe parece; não importa que sejam mais ou menos disparatados. Depois vai-se às crónicas, tira-se um pouco de nomes e de palavrões velhos; com os nomes crismam-se os figurões, com os palavrões iluminam-se... (estilo de pintor pintamonos). E aqui está como nós fazemos a nossa literatura original.»
[Viagens na Minha Terra]
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.