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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Quando eu era criança, na minha terra, que também era ainda mais pequena do que é hoje tal qual como eu, muitas das coisas que havia a dizer, sobretudo quando se falava de doenças, mas também de outras coisas da vida, diziam-se com palavras que se foram. Não se dizia um cancro, dizia-se uma «enfermidade», fazendo vénia à doença: ... fulano tem uma enfermidade; não se dizia um AVC, dizia-se um «benzinho», trocando as voltas à tristeza: ... fulana teve um benzinho; não se dizia fulana está acamada, mas «fulana está entrevada», convocando as trevas para situação tão penosa. Nunca cheguei a saber se, quando diziam que era preciso marear/mariar a vida, o diziam com i e, então, seria fazer como as marias que seriam umas grandes fura-vidas, ou se com e e, então, seria como governar bem o barco da vida. Dizia-se canté para o espanto distanciado e estou pra minha vida para o espanto puro. A criação eram os animais de capoeira e a lavagem o comer dos porcos. O pequeno-almoço chamava-se almoço, o almoço, jantar e o jantar, ceia. O folhetim da rádio era o romance. Dizia-se: — Cala-te que está a dar o romance. Havia as donas, as senhoras e as ti’: a dona Raquelinha, a senhora Grácia, a ti’ Maria. À professora primária, chamávamos Minha senhora e, à casa de banho da escola, casinha: Minha senhora, posso ir à casinha? Quando o dia escurecia, o primeiro que acendia a luz em casa dizia sempre: — Boa noite!
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