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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
O leitor que não conhecesse por dentro e por fora, como se usa dizer, a vida da Idade Média, riria da pequice com que atribuímos valor político ao bobo do conde de Portugal. Pois o caso não é de rir. Naquela época o cargo de truão correspondia até certo ponto ao dos censores da república romana. Muitas paixões, sobre as quais a civilização estampou o ferrete de ignóbeis, ainda não eram hipócritas; porque a hipocrisia foi o magnífico resultado que a civilização tirou de sua sentença. Os ódios e as vinganças eram lealmente ferozes, a dissolução sincera, a tirania sem mistério. No século XVI, Filipe II envenenava seu filho nas trevas de um calabouço, no princípio do XIII, Sancho I de Portugal, arrancando os olhos aos clérigos de Coimbra que recusavam celebrar os ofícios divinos nas igrejas interditas, chamava para testemunhas daquele feito todos os parentes das vítimas. Filipe era um parricida polidamente covarde; Sancho um selvagem atrozmente vingativo. Entre os dois príncipes há quatro séculos nas distâncias do tempo e o infinito nas distâncias morais.
Alexandre Herculano
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