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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
[...] Percebo que estão à espera. Vai passar o desfile. Estão à espera de entrarem na carruagem certa, para que não haja confusões. O que é da sua companhia está inscrito no que é da sua vida, artigo 1º: do que deve ser. Olha, estas não sofrem do mal da hesitação! Fizeram-se devedoras-credoras das suas companhias e só com elas hão de desfilar. Pelos ouvidos, acrescento coisas ao que delas, por as olhar, já sabia. Enquanto o meu corpo acalma a sua rejeição do movimento e se repõe numa inércia de descanso. Sou uma pedra à beira da qual há marulhos. Por dentro da pedra da imobilidade em que estou há água e fogo e algum ar. Por necessidade, sentada bem juntinho às três irmanas que não bailam debaixo de um castanheiro que não é avelaneira e haveria de estar florido mas não está, não tenho rancho nem armada. Sou uma one woman sem show. Estou por minha conta e muito incomodada com o constante movimento deslizante das coisas umas sobre as outras que chega a enjoar-me. Será que tenho de ir ao oftalmologista? Comprar uns óculos novos para a alma que não está a conseguir focar decentemente o eterno desfile da vida? Olha já ali vêm — diz uma das amigas ao avistar um letreiro elevado no ar que diz Setúbal. A do crochet arruma calmamente o trabalho ou passatempo numa mala velha e baratucha e as outras já sacodem a traseira das saias que se tinham colado ao rabo. De pé, esperam o exato momento de gritarem, agitando o braço: ó Zulmira estamos aqui, e avançarem para o minuto da sua entrada no rio de gente avenida abaixo e para o zumbido grosso e modulado que o acompanha. Eu fiquei mais à vontade no banco. Ainda penso e se eu fosse também? Vou? Não vou? O que faço aqui? Quis saber quem sou... Cometimento desgraçado que me tem emaranhado os passos da vida. [...]
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