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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Imagino que me aparece o Génio do Ensino e, como é da tradição dos génios, me propõe formular três desejos. E que, sem hesitar, eu aproveito para dar voz a três graves urgências e não demoro a responder. Em primeiro lugar, respondo que é absolutamente urgente: — que a nossa literatura clássica regresse em força aos programas de português; que a sua presença, agora tímida e residual, deixe de ocupar um lugar distributivo, mas passe a ser central nesses programas; que se desqualifiquem os falsos argumentos que a têm retirado e que se qualifique a experiência demonstrativa de que quem sabe ler Os Lusíadas ou os Sermões de Vieira sabe servir-se dos textos do quotidiano, enquanto o contrário não é verdadeiro; que a determinação das leituras programáticas não seja consequência de uma visão precária, pessoal ou grupal, mas fruto de um pensamento estruturado sobre desígnios fundamentados; que se encarem, lá onde elas residem, as aduzidas dificuldades na leitura dos grandes, belos e indiscutíveis textos, em vez de os transformar na causa perversa do miserabilismo literário dos programas; que a programação do ensino do português seja fonte de enriquecimento cultural e não consequência de administrativismos. Logo a seguir, respondo que é absolutamente urgente: — «refazer» os professores de português com profundos e alargados saberes e experiências, nomeadamente a da leitura; configurar e atestar a sua identidade profissional em contextos de formação credíveis e exigentes; «construir», na pessoa que se sente capaz, preparada para ser professor de português, uma persona profissional criadora de valor cultural; destruir o alisamento do professor como funcionário, investindo séria e persistentemente num quadro de formação que faça dele uma autoridade. Finalmente, respondo que é urgente: — que a ocasional novidade do ensino de uma nova ortografia seja uma oportunidade para dar atenção à grafia das palavras, habitualmente pouco valorizada; que a mudança ortográfica proporcione uma rigorosa e honesta atenção à etimologia, que tanta curiosidade desperta; que a língua seja vista como um bem comum e não como um objeto que usamos e estafamos como se pertencesse só a cada um. Quanto ao poder de um Génio para concretizar estes três desejos… fico a pensar que o engenho é necessário, sim, mas tem de ser temperado com muito estudo.
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