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scriptorium

"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)



Sexta-feira, 12.02.21

OS LIVROS NÃO MORREM DE MORTE NATURAL

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    E é assim que muitos livros e muitos autores arredados pelos ares dos tempos, surgem — no discurso comum e avalizado sobre a leitura — na pobre qualidade de adversativas: não para serem lidos, mas como objetos de saudade e homenagem como a que se faz a mortos ilustres. São tratados como livros mortos que o apego ao tempo como critério de arrumação cultural silencia e sonega ao desejo íntimo de quem poderia amá-los. A coberto da ideia de mortos queridos, que alguns de nós conheceram, são induzidos como merecedores, tão-só, de uma reza de ressurreição projetada para um inefável juízo final, a partir do seu acondicionamento na memória de quem os ama.

     Os livros não morrem de morte natural. Se os não enterrarem vivos, a sua vida está sempre em aberto, em desobediência às prescrições temporais e temporárias e em correspondência com o desejo íntimo de um leitor.

   Há lá coisa mais bela e mais séria do que uma árvore a envelhecer?!

   Os livros envelhecem como as árvores, mas, desligados que estão da sua raiz, muitas vezes já morta, e, sujeitos como estão à produção múltipla de atmosferas cujo multiplicador é a respiração de cada leitor, os livros não são finitos. Podem apenas — e isso é grave — ser subtraídos à respiração de um, de dois, de três, de muitos leitores provavelmente desejosos de os encontrar. Mesmo sem o saberem. Ainda.

    «O encontro feliz com um livro foi combinado fora de nós.», afirmou Vergílio Ferreira. E o desencontro também, digo eu. Não sabemos se feliz se infeliz. Não o encontrámos.

     Se, antes de mais nada e mais importante do que tudo mais, os livros vivem na relação íntima com os seus leitores, eles não são suscetíveis de juízos de adequação/desadequação a um tempo/lugar/desejo, à revelia da consciência íntima de felicidade pela leitura de um leitor. Quanto menos combinarem, fora de nós, os nossos encontros com os livros, menos os nossos desencontros combinarão e mais real e intimamente felizes pela leitura seremos. E nenhum livro estará morto e, de nenhum livro, se poderá afirmar aprioristicamente ser mais viável num dado ambiente epocal. Na mais recôndita biblioteca, sobre a mesa menos publicitável, à mão do menos conspícuo leitor, ele estará vivo. Nos taxonómicos discursos sobre a leitura, porém — e que enorme porém! — foi descarregado. Prepotência e engano. Trata-se de discursos que estão sujeitos a imperativos alheios à natureza pessoal e íntima da leitura. Aí, os livros estão sujeitos a motivações regidas por interesses, expectativas, finalidades de uma ordem diferente da felicidade de ler. São caminhos e lugares de «combinação» de encontros entre livros e leitores regidos pela fluidez do dinheiro. Mas há outros lugares cuja natureza pode (poderia) não-sujeitar-se ao imperativo económico gerador artificial de ambientes favoráveis/desfavoráveis a estes ou àqueles livros: as bibliotecas, as escolas.

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por Maria Almira Soares às 15:21



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