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"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Retrospetiva das leituras da comunidade de leitores LerDoceLer:
SE NUMA TARDE DE PRIMAVERA UM LEITOR...
Ler pode ser, para alguns leitores, um contínuo — E depois? Mas, para outros, é certamente um constante — E se? O romance de Italo Calvino Se numa noite de inverno um viajante alimenta-se do síndroma de privação dos leitores a quem vão sendo servidas sucessivas histórias inacabadas. Mas, para os leitores do tipo — E se?, não serão sempre inacabadas, todas as histórias? Se é talvez a palavra mais importante na invenção de histórias. A palavra-expectativa. A expectativa é uma das chaves da adesão do leitor, tanto como a atmosfera criada (numa noite de inverno) é um filtro que o agarra. Finalmente, um viajante (a personagem) é a boleia da vontade de, imaginariamente, nos deixarmos transportar.
SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE
Título arquetípico, primordial, o primeiro da série, construído para criar expectativa, agarrar, empurrar o leitor para a viagem por este livro-oficina de cujo poder metamórfico brota uma cascata de histórias sempre a fluir: Se numa tarde de inverno um viajante e Fora da povoação de Malbork e Debruçando-se da encosta íngreme e Sem temer o vento e a vertigem e Olha para baixo onde a sombra se adensa e Numa rede de linhas que se entrelaçam e... e... e... e... A leitura é um romance sem fim. Sempre começado, recomeçado, inacabado. No leitor, os livros fundem-se uns nos outros. Cada princípio de leitura é um laboratório e a experiência duradoura de ler é um catálogo genético de histórias, uma coleção de códigos geradores de procuras, de ligações, de descobertas, de enganos, de mistérios, de perigos, numa infinidade de tons de uma variação imensa. E, para alguns, os que escrevem histórias, uma fonte de imaginárias existências literárias, que verão a luz, se um leitor vier a torná-las reais. Porque, como o real, também o lido é cúmplice do imaginário fabricador de histórias.
Se numa noite de inverno um viajante faz a cartografia dos cruzamentos e desencontros e coincidências e descobertas e surpresas, agradáveis e desagradáveis, entre as histórias que vêm nos livros e os caminhos dos leitores que as procuram. E, neste grande mapa, marca com assinalável arte, aqueles momentos, de uma singularidade quase inefável, em que uma coisa começa, sem aviso, a deixar de ser o que parece e a, subtilmente, transformar-se numa outra coisa, fazendo subir no leitor a febre bendita da suspeição. Este é, em espécie, um livro de instruções das artes da LEITURA. Fruto de uma profunda e provada experiência de criar histórias e de as ler, desdobra-a em: ouvir ler, ler em tradução, os gestos de ler, as pausas do ler, ler o original, a explicação do ler... a leitura contextual, intemporal, circunstancial, anacrónica, académica, ideológica, política, escolar, ... as releituras... Para o fazer, abusa da paciência daqueles leitores que estão sempre ansiosos por saber o fim das histórias? Mas se, até entre os mais bem acabados, “Todos os livros continuam para além...”?! Se se diz, até, que os escritores estão sempre a escrever o mesmo infindável e metamórfico livro, porque não poderá dizer-se que os leitores estão sempre a ler substituições, progressões, transgressões, contrafações, pseudonímias, falsificações, do mesmo livro, do LIVRO que a sua cronologia de leitores persegue? Este romance do destino dos livros nas mãos da multidão dos que os fazem e dos que os leem abre, a cada reinício das condições de leitura, para um novo começo. Onde procuramos o mesmo, encontramos outro. Ou o outro que encontramos é o mesmo que procuramos. Porque nós, os leitores, somos a leitura. A pluralidade, o grupo, os pares, cada leitor, somos, neste livro, reflexos com que nos identificamos, às vezes com ironia e até humor, outras enternecida e comovidamente.
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