Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Tal como surgiu diante dos meus olhos, a esta hora meridiana, fez-me a impressão de uma alegre oficina da sabedoria." (Umberto Eco, O Nome da Rosa)
Chamo aqui, na sua qualidade de representação ficcional de um saber experiencial, estas linhas do Cântico Final, romance de Vergílio Ferreira:
«Abri o livro, li: “sonho que sou um cavaleiro andante”, […] Peguei no soneto e li-o. Perguntei-lhe: entendeste? “Entendi, sim, senhor”. “Então explica lá”. “Bem, - disse ele. Isso é assim como se eu visse uma casa rica e dissesse comigo: vai lá, João, vai lá que ali há de haver pão, chouriço, vinho e queijetas. E depois eu vou lá - e nicles: não há lá nada.”»
O que aqui Vergílio Ferreira ficcionalmente representa é um ato de leitura bem demonstrativo da desigualdade matricial da cultura leitora do professor e do aluno, impossível de ser apagada por qualquer preceito pedagógico de aproximação alisadora. Sem a presença deste desequilíbrio na matriz relacional, não há condições de efetiva educabilidade. Se o atrito entre o que vai subsumido no «entendeste?» do professore o «chouriço»e as«queijetas» da leitura genuína do aluno, for apagado, também não poderá ser transcendido, uma vez que, no jogo didático que é a verdade da aula, deixa de existir. A tendência pedagógica para a promoção deste apagamento atua perversamente e retira, ao aluno, condições de ser conduzido para uma outra cultura leitora que o professor lhe abriria como possível, desejável e até apetecível.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.